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↻ A ciência como instrumento de domínio da natureza
No estudo que realizamos até agora, veri- homem sobre as coisas se apoia unicamente nas artes e nas
ficamos que os primeiros filósofos admiravam a ciências. A natureza não se domina, senão obedecendo-a.”
natureza como uma totalidade e buscavam com-
preendê-la. Eles perceberam que a natureza não BACON, Francis. Novum organum. São Paulo: Abril Cultural, 1973. p. 94.
era dependente de forças divinas nem dos desejos (Coleção Os Pensadores).
ou das emoções humanas, mas era regida ou go-
vernada por regras ou princípios que a inteligência “[...] é possível chegar a conhecimentos muito úteis à
humana podia compreender. De fato, a investigação vida, e que, ao invés dessa filosofia especulativa ensinada nas
filosófica realizada na Grécia antiga pelos natura- escolas, pode-se encontrar uma filosofia prática, mediante
listas tinha o propósito de conhecer a natureza. a qual, conhecendo a força e as ações do fogo, da água, do
ar, dos astros, dos céus e de todos os outros corpos que nos
Naquele momento, não havia separação entre rodeiam, tão distintamente como conhecemos os diversos
pensamento filosófico e pensamento científico. Os ofícios de nossos artesãos, poderíamos empregá-las do mes-
pré-socráticos são considerados por alguns estu- mo modo em todos os usos a que são adequadas e assim nos
diosos os precursores dos cientistas modernos tornarmos como que senhores e possessores da natureza.”
porque introduziram princípios racionais na inves-
tigação sobre a natureza. Outros, no entanto, não DESCARTES, René. Discurso do método. São Paulo: Martins Fontes, 1989.
concordam com essa aproximação. É fato que os p. 81-82.
naturalistas observaram a natureza e refletiram so-
bre os princípios ou as regras que a governariam, Chamam a atenção nesses textos de Bacon e
mas eles buscavam princípios ou regras gerais que Descartes os conceitos de “dominação” e de “pos-
pudessem explicar, ao mesmo tempo, a harmonia se”. Segundo os autores, o conhecimento científico
(unidade) e a diversidade (multiplicidade). Para tan- ou filosófico deve estar voltado para o domínio ou
to, lançavam mão de ideias e conceitos, como o de a posse da natureza. Isto é, o ser humano, por
arkhé e o de logos, que estavam além do que podia meio da ciência, deve conhecer as regras e as leis
ser empiricamente investigado. Suas investigações da natureza para dominá-la e utilizá-la de acordo
estavam orientadas principalmente pelo desejo de com seus interesses. Conhecendo, por exemplo, o
conhecer. fogo, a água e o ar, podemos empregá-los em nosso
benefício. Nesse sentido, o conhecimento científico
Os cientistas modernos agem de maneira di- sobre a natureza trouxe poder aos seres humanos,
ferente. Eles buscam as leis dos fenômenos, que que se consideraram capazes de subjugá-la.
podem ser estabelecidas com base na observação,
isto é, buscam as relações permanentes entre fenô- A ciência moderna edificou-se sobre a relação
menos em determinadas circunstâncias. Por exem- de poder, domínio e subjugação da natureza, que
plo, uma porção de água potável congela sempre estaria a nosso dispor, pronta para nos servir. Para
que atinge temperaturas abaixo de 0 °C e, sempre dominá-la, bastaria conhecer como ela funciona,
que um metal é aquecido a determinado grau, dila- as causas e os efeitos dos fenômenos naturais,
ta-se. As descobertas científicas das leis da natu- suas leis.
reza não são investigadas apenas para se adquirir
conhecimento, mas também para serem utilizadas Segundo essa ótica, utilizamos o conhecimento
em benefício das pessoas. Nesse aspecto, há uma científico para aumentar a produtividade da agri-
diferença importante entre o pensamento dos pri- cultura; estudamos o comportamento dos peixes
meiros filósofos e o dos cientistas modernos. para pescá-los; investigamos as propriedades do
ferro e do aço para construir casas, edifícios, carros
Os textos a seguir têm muito a nos dizer sobre e estradas de ferro; pesquisamos o espaço sideral
a abordagem da natureza pela ciência moderna e para colocar em órbita satélites que ampliam nossa
sobre a influência desse pensamento na sociedade comunicação; fazemos experiências com roedores,
atual. DOC. 1 Neles, os filósofos Francis Bacon (1561- macacos e outros animais para cuidar de nossa
1626) e René Descartes (1596-1650) registraram o saúde e evitar doenças, e assim por diante.
modo como enxergavam a relação do ser humano
com a natureza. Suas reflexões influenciaram di- A natureza é considerada, de acordo com essa
versos pensadores, como Johannes Kepler (1571- visão, uma espécie de reservatório infindável, cujos
1630), Galileu Galilei (1564-1642) e Isaac Newton recursos estão à disposição de nossos interesses
(1643-1727), entre muitos outros cientistas que co- para nosso prazer e bem-estar.
laboraram para a constituição da ciência moderna.
Esse tipo de relação que estabelecemos com
“Mas, se alguém se dispõe a instaurar e estender o a natureza nos trouxe muitos benefícios, mas
poder e o domínio do gênero humano sobre o Universo, a também nos causou vários problemas. A inter-
sua ambição (se assim pode ser chamada) seria, sem dúvida, venção humana sobre o ambiente frequentemente
a mais sábia e a mais nobre de todas. Pois bem, o império do provoca a extinção de espécies de animais e de
plantas, prejudica os ecossistemas ao poluir os
rios e o ar, ameaça a vida de todo o planeta e,
claro, a própria vida humana. Esses fatos refletem
a necessidade de repensarmos nossa relação com
a natureza.
38 UNIDADE 1: O MUNDO EM EXPANSÃO