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↻	A indústria, a modernização agropecuária e as relações
   campo-cidade

      O geógrafo brasileiro Manuel Correia de Andrade   etc., além de diminuir o número de trabalhadores                           REPRODUÇÃO
(1922-2007) esclareceu que a Geografia “estuda as       rurais nas atividades do campo.
relações entre sociedade e natureza” e ressaltou
que “essas relações não são estáticas”. A suprema-      ↑ Colonos pegam carona em trator para deixar seu local de trabalho.
cia da cidade sobre o campo se estabeleceu a partir     Altamira (PA), 1972. Em dez anos, entre 1960 e 1970, o número de tratores
da Primeira Revolução Industrial (século XVIII). Nesse  produzidos no Brasil saltou de 37 para cerca de 15 mil unidades.
período, o mercado consumidor em expansão exigia
mais matérias-primas para a produção de merca-                A visão que se construiu dos espaços rurais
dorias, enquanto a população urbana, em constante       e urbanos, como realidades opostas e indepen-
crescimento, precisava de mais alimentos. De acordo     dentes uma da outra, dificulta a compreensão a
com essa análise, as cidades começaram a subme-         respeito da complexa situação dos trabalhadores
ter a produção do espaço rural às necessidades da       do campo nos dias atuais. A forma como o traba-
economia urbana.                                        lho assalariado foi inserido no campo agravou a
                                                        situação do trabalhador rural, aumentou a preca-
      Para o filósofo e sociólogo francês Henri         riedade das condições de trabalho, o subemprego
Lefebvre (1901-1991), a distinção e a oposição entre    e o desemprego nos espaços rurais. Um relatório
campo e cidade decorre do próprio processo de di-       desenvolvido pela OIT em 2016 já alertava sobre a
visão social do trabalho. Os trabalhadores que eram     questão da vulnerabilidade de trabalhadores em
explorados no campo passaram a ser explorados na        áreas rurais na América Latina e no Caribe, de-
cidade de outra forma. Partindo do princípio mar-       nunciando que o trabalho rural é caracterizado
xista de que o espaço é historicamente produzido        por salários baixos, pouca proteção social e pre-
pelo ser humano à medida que ele organiza política      valência da pobreza. O documento indicou que
e economicamente a sociedade, Lefebvre afirma que       existe uma alta associação entre pobreza rural e
a divisão que opõe as classes sociais no mundo do       agricultura na região, pois a população mais pobre
trabalho se refletiria na divisão socioespacial que     é a que trabalha em atividades agrícolas. DOC. 4
distingue os espaços rurais dos urbanos.
                                                              A chamada Revolução Verde levou a produtividade
      A visão de oposição entre campo-cidade preva-     agrícola a dar um salto expressivo no mundo, sobre-
leceu na Geografia e em outras ciências por muito       tudo nos países menos desenvolvidos da Ásia, África
tempo. Entretanto, estudos mais recentes têm trans-     e América Latina, mas esse aumento da produtividade
formado essa concepção, rompendo com a visão dico-      agrícola não gerou saldos positivos para a maioria dos
tômica entre espaços rurais e espaços urbanos.          países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento. Em
                                                        algumas regiões da África e da América Latina, popu-
      O geógrafo brasileiro Milton Santos (1926-2001)   lações continuam sofrendo com o déficit de produção
definiu espaço geográfico como o objeto de estudo da    de alimentos, situação que faz aumentar a disparidade
Geografia. O estudioso conceituou o espaço geográfico   socioeconômica entre os países e agrava a situação
como “um conjunto indissociável, solidário e também     dos camponeses. DOC. 5
contraditório de sistemas de objetos e sistemas de
ações, não considerados isoladamente, mas como o              Governos de alguns países em desenvolvimen-
quadro único no qual a história se dá”. Isso signifi-   to compraram os “pacotes agrícolas” de empresas
ca que o espaço geográfico pressupõe uma interação      transnacionais, investiram na modernização do cam-
entre tudo que ali existe e as práticas sociais nele    po e implantaram políticas de crédito rural. No Brasil,
estabelecidas. Portanto, o estudo sobre as relações     grandes investimentos foram feitos em órgãos como
campo-cidade deve sempre levar em consideração a        Embrapa, aliando conhecimento científico à formação
unidade indissociável entre os dois espaços e o con-    universitária, com inovações nas técnicas de plantio
texto histórico em que essas relações ocorrem.          e a criação de políticas de concessão de crédito rural
                                                        para a compra de maquinário.
      O campo, em sua própria organização histórica e
espacial, desenvolveu prioritariamente a agricultura,
a pecuária, a extração de recursos naturais, entre ou-
tras atividades econômicas, em que a terra é o meio
de produção principal. Porém, a partir da década de
1970, a globalização acentuou a internacionalização do
capital, e os espaços rurais foram incluídos na lógica
dos fluxos financeiros em escala mundial.

      As técnicas incorporadas às atividades econô-
micas desenvolvidas no campo levaram à mecaniza-
ção do espaço rural, aumentando consideravelmente
o consumo no campo de produtos feitos nas cidades

178 UNIDADE 3: O MUNDO QUE CONHECEMOS
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