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↻	O nacionalismo que fomentou a guerra

                                     A crescente hostilidade entre as principais potências europeias não teve

                                     origem apenas nas disputas imperialistas. A retórica nacionalista também foi

                                     utilizada pelos Estados europeus para difundir a ideia mítica de uma identi-

                                     dade étnica e cultural pura e permanente no tempo, avessa à diversidade e à

                                     integração entre os povos. Para compreender como o nacionalismo foi utilizado

                                     para despertar o ódio e o desejo de matar e morrer pela pátria, é necessário

                                     abordarmos primeiro o conceito de nação. A tarefa é difícil, pois não há uma

                                     definição universal, aceita pelo conjunto da comunidade científica, a respeito

                                     do significado de nação. Optamos, diante disso, pela formulação do intelectual

                                     anglo-estadunidense Benedict Anderson (1936-2015).

REPRODUÇÃO                                                                    Segundo Anderson, nação é uma comunidade política

                                                                              imaginada, organizada em torno de um poder político so-

                                                                              berano, e que habita um território com fronteiras determi-

                                                                              nadas. Tomemos como exemplo o Brasil. A nação brasileira

                                                                              é constituída por uma comunidade de cerca de 210 milhões

                                                                              de pessoas, que habita um vasto território, administrado

                                                                              por um Estado soberano, organizado no modelo republica-

                                                                              no. Além disso, essa comunidade política é imaginada. Isso

                                                                              significa que, apesar das diferenças socioeconômicas e cul-

                                                                              turais entre os cidadãos do país, as pessoas que nasceram

                                                                              e cresceram no território brasileiro imaginam compartilhar

                                                                              língua, tradições e costumes em comum, ainda que a maior

                                                                              parte delas nunca venha a se conhecer.

                                                                              O conceito de nacionalismo é tão controverso quan-

                                                                              to o de nação. Segundo o sociólogo francês Marcel Mauss

                                                                              (1872-1950), nacionalismo é um mito construído em torno

                                                                              de uma identidade coletiva imaginária, indissociável (em

                                                                              alguns casos mais, em outros, menos) do racismo, da ex-

                                                                              clusão e da crença na superioridade de uma nação sobre as

                                                                              demais. Benedict Anderson tem outro olhar a respeito do

                                                                              nacionalismo. Para ele, o sentimento de identidade que une

                                                                              uma comunidade nacional pode servir, de fato, a um pro-

                                                                              jeto de exclusão, terror e destruição, como aconteceu nas

            ↑ “Renovação do patriotismo francês e do orgulho nacional”,       duas guerras mundiais. Mas pode também inspirar projetos
            capa do periódico francês Le Petit Journal, 24 de março de 1912.  integradores, inclusivos, de emancipação e de ampliação
                                                                              da justiça social. Exemplos disso foram os movimentos de

                                     independência na África e na Ásia no século XX, que nasceram e avançaram

                                     empunhando a bandeira nacionalista.

                                     O texto a seguir descreve o papel do nacionalismo na Europa do pré-guerra.

                                            “Glórias nacionais do passado e triunfos do presente eram comemorados em toda a Europa
                                     com festivais e celebrações.

                                            ‘Aprendemos’, declarou famoso soldado inglês, ‘a acreditar que os ingleses foram o sal da
                                     terra e a Inglaterra foi a primeira e a mais destacada nação do mundo [...]’. [...] Na Alemanha,
                                     estima-se que a maior parte dos livros escritos para adolescentes antes da guerra versava so-
                                     bre o grande passado militar do país, desde a derrota de um exército romano diante de tribos
                                     germânicas até as guerras da unificação. [...]

                                            Um manual utilizado nas escolas francesas [...] salientava que a beleza da França, as glórias
                                     da civilização francesa e as ideias de justiça e humanitarismo que a Revolução Francesa disse-
                                     minara pelo mundo justificavam o patriotismo francês. ‘A guerra não é provável’, ensinavam
                                     às crianças, ‘mas é possível. Esta é razão para a França permanecer armada e sempre pronta
                                     para se defender’.”

                                                                              MacMILLAN, Margaret. A Primeira Guerra Mundial: que acabaria com as guerras.
                                                                                                                          São Paulo: Globo Livros, 2014. p. 268-269.

304 UNIDADE 5: O MUNDO EM CONFLITOS
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