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↻	O idealismo e a marcha do espírito

      Kant, em sua obra Crítica da razão pura, dei-                                    conhecimento seria ativo, mas limitado à experiência               REPRODUÇÃO/ CENTRO GEORGES POMPIDOU, PARIS, FRANÇA
xou claro que o ser humano só pode conhecer os                                         sensível.
fenômenos ou representações, e que as coisas ex-
ternas a ele existem porque afetam os órgãos dos                                             Fichte ampliou a atividade do espírito ou do su-
sentidos, mas não podem ser conhecidas como são                                        jeito. Para ele, era a própria atividade subjetiva que
em si mesmas.                                                                          produzia o material sensível. Não seria uma coisa
                                                                                       externa ao ser humano que o afetaria. O sujeito não
      Apesar de Kant ter refutado explicitamente as                                    só possibilitava a experiência sensível, conformando
concepções idealistas que negavam a existência da                                      as impressões sensíveis, como afirmava Kant, mas
matéria externa, sua formulação deixava uma por-                                       produzia o que chamamos de realidade objetiva. O
ta entreaberta para elas. Afinal, se as coisas em si                                   mundo seria a representação de nossas ideias e de
mesmas não podem ser conhecidas pelo ser huma-                                         nossos sentimentos. Por causa dessa formulação, a
no, o que garante que elas existam? Como afirmar a                                     filosofia de Fichte também é conhecida como idea-
existência física de algo que não se pode conhecer?                                    lismo subjetivo, pois nela tudo parte da atividade do
                                                                                       sujeito. Tudo parte do Eu Absoluto.
      Fichte, Schelling e Hegel, os três grandes filó-
sofos do idealismo alemão, partiram desse proble-                                            As formulações iniciais de Fichte identificavam
ma para constituir seus sistemas idealistas. Eles                                      a infinitude com o eu ou com a atividade do eu. O
se apoiaram na atividade da mente, do espírito ou                                      eu seria infinito porque a partir dele tudo teria sido
mais especificamente da razão como a origem ou o                                       criado. Posteriormente, nas últimas obras, o filóso-
fundamento de todas as coisas existentes.                                              fo passou a defender o infinito como algo exterior
                                                                                       ao ser humano, mais especificamente como Deus.
	↪	 Fichte e o idealismo subjetivo                                                     Nesse caso, a atividade central do ser humano seria
                                                                                       elevar-se acima do mundo e do saber humano, ou
      Para o teólogo e filósofo alemão Johann                                          seja, negar o valor da realidade sensível e buscar
Gottlieb Fichte (1762-1814), existiriam dois tipos                                     por meio da contemplação a direção do puro pen-
de ser humano: os que buscam a liberdade e os                                          samento do Ser Absoluto.
que tomam o caminho oposto. Dessas tendências
decorreria a decisão sobre qual filosofia seguir. Os                                   ↑ Autorretrato no espelho do banheiro, pintura de Pierre Bonnard,
que buscam ser atuantes e livres, e têm consciência                                    século XX. Para Fichte, tudo é criado a partir do eu.
dessa busca, seriam os idealistas, que se apoiam
na capacidade criadora do espírito. Os que são in-
conscientes da sua vontade de liberdade e que não
distinguem entre o ser das coisas e o seu ser seriam
os dogmáticos, que acreditam na realidade material
das coisas e se subordinam a ela.

      Apesar de sua filosofia ter se inspirado na filo-
sofia transcendental, Fichte criticava a ideia kantia-
na de que a coisa em si seria em parte a origem da
experiência sensível. Para ele, a coisa em si, como
algo externo e independente da consciência, seria
uma fantasia.

           “A coisa em si é uma mera invenção e não tem abso-
    lutamente nenhuma realidade.”

          FICHTE, Johann Gottlieb. Introdución a la teoría de la ciencia. Madri:
                                    Alianza Editorial, 1984. p. 38. (Tradução nossa).

      Então, se a matéria da intuição sensível não
deriva da coisa em si (dos objetos externos), de onde
derivaria?

      Kant estabeleceu a atividade do sujeito a partir
de uma realidade dada. Para ele, o sujeito seria o
centro do processo de conhecimento por confor-
mar a experiência sensível. As coisas em si mesmas
existiriam independentemente do ser humano. No
entanto, o ser humano só poderia conhecer as re-
presentações dessas coisas, ou seja, o sujeito do

                                                                                       CAPÍTULO 16: O IDEALISMO ALEMÃO: A ATIVIDADE DO ESPÍRITO                                                               191
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