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REPRODUÇÃO/COLEÇÃO GILBERTO CHATEAUBRIAND,    Dialética: termo derivado de diálogo.           No entanto, a evolução em direção ao autoconhecimento da consciência
   MUSEU DE ARTE MODERNA, RIO DE JANEIRO, RJ  Está relacionado à argumentação e         levará o sujeito (consciência) a atingir o saber absoluto, momento em que o
                                              à contra-argumentação. No entanto,        espírito reconhece sua própria atividade como criadora de toda a realidade,
                                              essa expressão não tem apenas um          momento no qual não se estabeleceria mais a divisão entre o sujeito e o objeto,
                                              significado na história da filosofia. Em  entre finito e infinito, entre natureza e espírito.
                                              Hegel, ou seja, na filosofia do idealis-
                                              mo romântico, dialética se refere ao      A dialética do espírito
                                              movimento necessário realizado pelo
                                              espírito e pela realidade concreta, que         Em certa medida, Hegel retomou o pensamento de Heráclito, pelo menos a
                                              nada mais é do que a manifestação         ideia de que a realidade seria o movimento, a mudança, a transformação. Para o
                                              do espírito. Esse movimento é feito       filósofo alemão, a mudança ocorre na natureza, na sociedade e na história por
                                              de afirmações, negações e sínteses.       meio de um processo dialético.

                                              ↑ Autorretrato, pintura de Ismael               Para entender a dialética hegeliana, pode-se tomar como exemplo a própria
                                              Nery, 1930.                               relação entre o finito e o infinito. O ser humano existiria como ser finito que, por
                                                                                        natureza, buscaria o infinito e seria guiado por ele. Ao mesmo tempo, o infinito
                                                   PARA ASSISTIR                        ou absoluto iria se tornando real nas realizações do ser humano ou do finito.
                                                  Vladimir Safatle – Dialética          Em outras palavras, por um lado as ações humanas seriam momentos ou epi-
                                                  hegeliana                             sódios do Espírito Absoluto e estariam sob suas regras e leis – isto é, sob sua
                                                  Produção: 202 Filmes                  racionalidade; por outro, o espírito se realizaria progressivamente nas atividades
                                                  Duração: 5 min 9 s                    do finito. O finito e o infinito teriam, então, uma relação complementar e seriam
                                                  Disponível em: https://               aspectos de um processo único. Não haveria o finito sem o infinito, e, por sua
                                                  www.youtube.com/                      vez, o infinito só se realizaria por meio do finito.
                                                  watch?v=mM5CaYvRBWw.
                                                  Acesso em: 1º set. 2024.                    Assim, Hegel retomava o que durante muito tempo havia sido menosprezado
                                                  O filósofo Vladimir Safatle           pelos filósofos: o movimento ou a mudança. Desde Parmênides, a maioria dos
                                                  discute sobre a dialética de          filósofos entendia a mudança como algo que apontava para o não ser, para algo
                                                  Hegel.                                que não podia ser conhecido; afinal só se conhece o que é fixo, o que não muda.
                                                                                        Mas, para a dialética hegeliana, o movimento seria característica da realidade
                                                                                        da natureza e do espírito.

                                                                                              Hegel voltou-se para o entendimento dessa realidade e, por isso, prestou
                                                                                        atenção ao movimento. Prestar atenção ao movimento significa prestar aten-
                                                                                        ção ao devir, isto é, a como as coisas vêm a ser ou deixam de ser, como elas se
                                                                                        constituem ou desconstituem.

                                                                                                   “O botão desaparece no desabrochar da flor, e poderia dizer-se que a flor o refuta; do mesmo
                                                                                            modo que o fruto faz parecer um falso ser-aí da planta, pondo-se como sua verdade em lugar
                                                                                            da flor: essas formas não se distinguem, mas também se repelem como incompatíveis entre
                                                                                            si. Porém, ao mesmo tempo, sua natureza fluida faz delas momentos da unidade orgânica, na
                                                                                            qual, longe de se contradizerem, todos são igualmente necessários. É essa igual necessidade
                                                                                            que constitui unicamente a vida do todo.”

                                                                                                              HEGEL, Georg W. F. Fenomenologia do espírito. Petrópolis: Vozes; Bragança Paulista: USF, 2002. p. 26.

                                                                                              Hegel logo percebeu que o vir a ser das coisas não acontecia de maneira
                                                                                        linear. Havia nesse constituir afirmações e negações, estabilidades e instabi-
                                                                                        lidades, equilíbrios e desequilíbrios. Nesse devir dramático, as coisas iriam se
                                                                                        estabelecendo e desaparecendo, existindo e deixando de existir. Mas, de maneira
                                                                                        progressiva, iriam afirmando o Espírito Absoluto.

                                                                                              Dito de outra forma, a totalidade infinita se constituiria por meio dos mo-
                                                                                        mentos parciais ou finitos. O Espírito Absoluto seria, então, sobretudo, atividade.

                                                                                        História, arte, religião e filosofia

                                                                                              Ao se compreender que o devir é a realização do espírito, ou seja, que a
                                                                                        realidade é a realização do absoluto, que está presente em tudo, compreende-se
                                                                                        também a afirmação de Hegel sobre a natureza e a história. Para o filósofo, a
                                                                                        natureza era a manifestação do espírito no espaço, e a história, a manifestação
                                                                                        do espírito no tempo.

                                                                                                   “O único pensamento que a filosofia traz para o tratamento da história é o conceito sim-
                                                                                            ples de Razão, que é a lei do mundo e, portanto, na história do mundo as coisas acontecem
                                                                                            racionalmente.”

                                                                                                                                   HEGEL, Georg W. F. A razão na história: uma introdução geral à filosofia da história.
                                                                                                                                                                                                 São Paulo: Moraes, 1990. p. 53.

                                                                                              A atenção do filósofo estava voltada sobretudo para a história, que, para ele,
                                                                                        era muito mais do que uma cronologia de eventos. Por meio do estudo desses

194 UNIDADE 3:O MUNDO QUE CONHECEMOS
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