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↻ A relação indissociável entre liberdade, política HENFIL/ACERVO DO CARTUNISTA
e poder
↑ Queremos o poder!, charge com a Graúna, uma das personagens mais famosas de Henfil, década de 1980.
Essa charge é do cartunista e jornalista Henrique de Sousa Filho, mais co-
nhecido por Henfil (1944-1988), crítico contundente da ditadura militar, regime
que vigorou no Brasil entre 1964 e 1985. No desenho, o artista utilizou a palavra
poder como substantivo e como verbo. No primeiro caso, para designar o poder
central, o governo federal, espaço institucional de decisão da política brasileira,
na época ocupado por militares. Ao fazer Graúna, uma de suas personagens
mais famosas, conjugar o verbo poder na parte inferior da charge, Henfil vei-
culou a ideia de que os brasileiros, unidos, poderiam derrubar o regime militar,
restabelecer as eleições diretas para presidente e restaurar a democracia no
país. Isto é, restituir um regime no qual os direitos e as liberdades individuais
fossem respeitados.
A arte de Henfil chama a atenção por tratar do poder de maneira diferente
da tradicional, que geralmente o compreende como algo que emana do Estado
para o conjunto da sociedade. O poder de Estado, logicamente, é uma forma
marcante de poder, mas não é a única. As Graúnas que se multiplicam na charge
nos lembram da ideia presente em algumas das primeiras formulações teóri-
cas sobre o Estado moderno, em especial nos escritos do filósofo inglês John
Locke. Ele defendia que o Estado teria se originado para garantir aos cidadãos
os direitos naturais à vida, à liberdade e à propriedade e que, acima do poder
estabelecido por confiança aos indivíduos que ocupavam o Estado, estaria o
poder maior, o poder supremo do povo.
A força desse poder supremo deriva da unidade dos poderes individuais e da
liberdade de cada um para exercê-lo conjuntamente. Assim, as Graúnas indicam
que não há apenas várias formas de poder, mas que também existe uma relação
intrínseca entre liberdade, poder e política. Mas como isso ocorre? Vejamos a seguir.
↪ O ser humano está condenado a ser livre
Duas ideias centrais da filosofia existencialista, em especial as elaboradas
pelo filósofo francês Jean-Paul Sartre (1905-1980), que serão retomadas em
outro capítulo, são pertinentes para começarmos uma reflexão sobre o conceito
de liberdade. A primeira delas é que o ser humano não nasce com suas caracte-
rísticas essenciais prontas ou definidas. Uma frase famosa sintetiza essa ideia:
“A existência precede a essência”, ou seja, o ser humano nasce e existe antes de
ser determinado por qualquer força exterior e, durante sua existência, constrói
sua identidade. Ele se forma ao projetar sua consciência em direção às coisas e
às pessoas, ao atuar sobre o mundo. Pode negar, afirmar ou transformar o que
está dado, mas, quaisquer que sejam suas ações, sempre será o responsável por
elas. A frase que resume essa segunda ideia é tão célebre quanto a primeira: “O
236 UNIDADE 4: O MUNDO EM TRANSFORMAÇÃO