Page 238 - PNLD 2026 - FILOSOFIA
P. 238

↻	A relação indissociável entre liberdade, política                                                                            HENFIL/ACERVO DO CARTUNISTA
                                 e poder

                                                        ↑ Queremos o poder!, charge com a Graúna, uma das personagens mais famosas de Henfil, década de 1980.

                                                     Essa charge é do cartunista e jornalista Henrique de Sousa Filho, mais co-
                                               nhecido por Henfil (1944-1988), crítico contundente da ditadura militar, regime
                                               que vigorou no Brasil entre 1964 e 1985. No desenho, o artista utilizou a palavra
                                               poder como substantivo e como verbo. No primeiro caso, para designar o poder
                                               central, o governo federal, espaço institucional de decisão da política brasileira,
                                               na época ocupado por militares. Ao fazer Graúna, uma de suas personagens
                                               mais famosas, conjugar o verbo poder na parte inferior da charge, Henfil vei-
                                               culou a ideia de que os brasileiros, unidos, poderiam derrubar o regime militar,
                                               restabelecer as eleições diretas para presidente e restaurar a democracia no
                                               país. Isto é, restituir um regime no qual os direitos e as liberdades individuais
                                               fossem respeitados.

                                                     A arte de Henfil chama a atenção por tratar do poder de maneira diferente
                                               da tradicional, que geralmente o compreende como algo que emana do Estado
                                               para o conjunto da sociedade. O poder de Estado, logicamente, é uma forma
                                               marcante de poder, mas não é a única. As Graúnas que se multiplicam na charge
                                               nos lembram da ideia presente em algumas das primeiras formulações teóri-
                                               cas sobre o Estado moderno, em especial nos escritos do filósofo inglês John
                                               Locke. Ele defendia que o Estado teria se originado para garantir aos cidadãos
                                               os direitos naturais à vida, à liberdade e à propriedade e que, acima do poder
                                               estabelecido por confiança aos indivíduos que ocupavam o Estado, estaria o
                                               poder maior, o poder supremo do povo.

                                                     A força desse poder supremo deriva da unidade dos poderes individuais e da
                                               liberdade de cada um para exercê-lo conjuntamente. Assim, as Graúnas indicam
                                               que não há apenas várias formas de poder, mas que também existe uma relação
                                               intrínseca entre liberdade, poder e política. Mas como isso ocorre? Vejamos a seguir.

                                  	↪	 O ser humano está condenado a ser livre

                                                     Duas ideias centrais da filosofia existencialista, em especial as elaboradas
                                               pelo filósofo francês Jean-Paul Sartre (1905-1980), que serão retomadas em
                                               outro capítulo, são pertinentes para começarmos uma reflexão sobre o conceito
                                               de liberdade. A primeira delas é que o ser humano não nasce com suas caracte-
                                               rísticas essenciais prontas ou definidas. Uma frase famosa sintetiza essa ideia:
                                               “A existência precede a essência”, ou seja, o ser humano nasce e existe antes de
                                               ser determinado por qualquer força exterior e, durante sua existência, constrói
                                               sua identidade. Ele se forma ao projetar sua consciência em direção às coisas e
                                               às pessoas, ao atuar sobre o mundo. Pode negar, afirmar ou transformar o que
                                               está dado, mas, quaisquer que sejam suas ações, sempre será o responsável por
                                               elas. A frase que resume essa segunda ideia é tão célebre quanto a primeira: “O

236 UNIDADE 4: O MUNDO EM TRANSFORMAÇÃO
   233   234   235   236   237   238   239   240   241   242   243