Page 239 - PNLD 2026 - FILOSOFIA
P. 239
PARA ASSISTIR ser humano está condenado a ser livre”. Essa afirmação parece contraditória,
uma vez que o conceito de obrigação se opõe ao de liberdade. No entanto, a
Gosto de cereja liberdade aqui é vista como algo inerente ao ser humano, por sua característica
Direção: Abbas Kiarostami de “vir a ser”, que se completa durante sua existência.
País: França/Irã
Ano: 1997 “A escolha é possível num sentido, mas o que não é possível é não escolher. Posso sempre
Duração: 99 min escolher, mas devo saber que, se eu não escolher, escolho ainda. Isto, embora parecendo estri-
tamente formal, tem uma importância muito grande, para limitar a fantasia e o capricho. Se é
Um dos filmes mais verdade que em face de uma situação [...] eu sou obrigado a escolher uma atitude, em que de toda
importantes da década de maneira eu tenho responsabilidade duma escolha que, ligando-me por um compromisso, liga
1990, claramente influenciado também a humanidade inteira, ainda que nenhum valor a priori determine a minha escolha,
pela filosofia existencialista, essa nada tem a ver com o capricho [...].”
traz a história de um homem
que viaja pelas colinas de Teerã SARTRE, Jean-Paul. O existencialismo é um humanismo. São Paulo: Abril Cultural, 1978. p. 17.
em busca de alguém que o
ajude a morrer. Então, a liberdade é esse poder que o ser humano tem de se constituir
constantemente e do qual ele não pode fugir; para Sartre, a liberdade e o ser
humano se confundem.
↪ Liberdade encarnada
O filósofo francês Maurice Merleau-Ponty (1908-1961) tem uma visão dife-
rente da liberdade da consciência defendida por Sartre. Para ele, essa liberda-
de não é absoluta, pois as decisões dos seres humanos são tomadas por uma
consciência que não é apartada do mundo em que vivem.
Porém, se o mundo condiciona nossa liberdade, ele também a possibilita, uma
vez que está em um processo dinâmico de mudança, assim como a própria cons-
ciência do ser humano. Dessa forma, seria impossível distinguir em nossas ações
aquilo que é determinado pela situação e o que é fruto da liberdade individual.
Além disso, a existência humana é compreendida por Merleau-Ponty como
uma existência encarnada. O corpo é algo sensível, um suporte para as vivências
perceptíveis que possibilita o diálogo entre a consciência e as coisas do mundo.
Antes de ser pensada como conceito, a liberdade é vivida na atuação do
ser humano sobre tudo o que o cerca e não pode, portanto, ser abstraída do
mundo, como também não pode ser abstraída do corpo, pois a experiência só
é possível pela existência corpórea e sua intermediação entre as coisas e as
pessoas. A liberdade realiza-se, assim, na emaranhada teia da vivência humana.
CALVIN & HOBBES, BILL WATTERSON © 1986
WATTERSON / DIST. BY ANDREWS MCMEEL SYNDICATION
↑ Tirinha de Calvin e Haroldo, de Bill Watterson, 1991. Que relação você identifica entre a fala de Haroldo e a
filosofia de Sartre? Você concorda com a fala do personagem?
↪ Política: campo de manifestação da liberdade
Para a filósofa alemã Hannah Arendt (1906-1975), a tradição filosófica dis-
torceu a ideia de liberdade ao vinculá-la ao foro íntimo de cada indivíduo, algo
interior que não se manifestaria publicamente e, portanto, seria desprovido de
sentido político. De acordo com a concepção tradicional, o ser humano seria livre
porque teria livre-arbítrio; o espaço próprio da liberdade seria o da consciência.
Segundo a filósofa, essa desvinculação entre liberdade e política teria sido uma
consequência da organização de Estados totalitários – como o nazista, o fascista e o
CAPÍTULO 19: AS NOVAS FORMAS DE PODER E DE CONTROLE 237