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Voraz: destruidor, insaciável, devorador. ↻ Nietzsche e a aurora de novos valores
humanos
↑ Escultura romana de bronze
do deus grego Dioniso, século A filosofia de Schopenhauer influenciou profundamente o pensamento de
II. Na tragédia grega, Dioniso Friedrich Nietzsche (1844-1900). A leitura da principal obra de Schopenhauer,
simboliza, para Nietzsche, a força O mundo como vontade e representação, causou-lhe ao mesmo tempo admi-
dos instintos, das paixões e da ração e frustração.
liberdade.
Por um lado, o filósofo alemão concordava com a posição de Schopenhauer
sobre a vida. Nietzsche admitia que a vida é sofrimento, dor, miséria, degradação
e morte. A vida, enfim, não teria sentido, ou seja, não teria racionalidade, nem
ordem, nem finalidade. Não haveria leis inexoráveis guiando as ações humanas,
e o homem estaria solto na contingência e no acaso. O processo irracional do
Universo e do homem seria preponderante.
Nesse aspecto, Nietzsche saudava a ideia de Schopenhauer a respeito do pre-
domínio da vontade sobre a razão humana. Por outro lado, contrapunha-se com
veemência à atitude de renúncia à vida e refutava a ideia de que a única maneira de
acabar com a dor era o aniquilamento do querer, a renúncia aos prazeres, a penitên-
cia voluntária, enfim, a mortificação da vontade. Nietzsche não pregava a renúncia
à vida; ao contrário, ele exaltava e aclamava toda a potencialidade desconhecida
que havia nela, com suas contradições e sua irracionalidade.
Nietzsche combatia todos os sistemas filosóficos ou religiosos que ne-
gavam a vida e os princípios vitais ou que criavam consolos imaginários para
que o ser humano pudesse aturá-la. Para o filósofo alemão, não se tratava de
suportar a vida, mas de festejá-la. Ele foi um crítico voraz do idealismo alemão,
do racionalismo, que acreditava ter origem em Sócrates e Platão, do cientifi-
cismo, que em sua época era representado principalmente pelo positivismo, e
do cristianismo, acusando-o de de enfraquecer o que há de mais forte e vital
na natureza humana.
Sobretudo, Nietzsche denunciava a crise de valores humanos do século
XIX, que deveriam ser ultrapassados por um novo entendimento do mundo e
do homem. O filósofo era o combatente desses novos tempos.
LEWANDOWSKI/RMN-GRAND PALAIS/OTHER
IMAGES-MUSEU DO PRADO
FRANK & ERNEST, BOB THAVES© 2011 THAVES /
DIST. BY ANDREWS MCMEEL SYNDICATION
↑ Tira dos personagens Frank & Ernest, dos cartunistas Bob e Tom Thaves, 2011. Por que, nessa tira, a
superbactéria é associada à figura de Nietzsche?
↪ Crítica ao racionalismo: Sócrates e a tragédia grega
Nietzsche acreditava que a arte era a mais importante manifestação hu-
mana e que só ela poderia, exaltando o belo e a própria vida, ajudar o indivíduo
a enfrentar o sofrimento inerente à existência. A arte, para o filósofo alemão,
admitia o que há de terrível na vida. Em seus primeiros escritos, A visão dio-
nisíaca do mundo e O nascimento da tragédia, Nietzsche exemplificava essa
possibilidade com a tragédia grega.
A tragédia grega teria surgido como síntese de tendências artísticas que
expressavam duas forças presentes no mundo, na vida e na sociedade grega: a
apolínea e a dionisíaca. Apolo, na interpretação de Nietzsche, é o deus da ordem,
da razão, da aparência, da luz (brilho) e da beleza, enquanto Dioniso é o deus da
força instintiva, da paixão, da embriaguez, da alegria, da liberdade e dos prazeres.
CAPÍTULO 21: O HOMEM É MAIS DO QUE A RAZÃO: AS CONTESTAÇÕES DE SCHOPENHAUER, KIERKEGAARD E NIETZSCHE 265