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Para Nietzsche, enquanto houve equilíbrio entre essas forças, a arte pros-
perou e estabeleceu o ponto mais alto da cultura grega. No entanto, quando
o apolíneo passou a preponderar, quando a razão e a ordem subjugaram os
instintos e a paixão, quando a compreensão do mundo se tornou unilateral, a
sociedade grega teria entrado em decadência.
No campo da arte, isso teria se verificado com o poeta trágico Eurípides (480
‑406 a.C.), que tratou de eliminar os elementos dionisíacos da tragédia. Na filosofia,
o marco inicial desse declínio estaria em Sócrates, que buscou compreender a vida
e dominar a natureza humana com a razão, e em Platão, que teria criado um mun-
do metafísico fictício (o mundo inteligível), que se sobrepunha à irracionalidade do
mundo e da vida reais, como uma espécie de consolo para o homem.
Segundo Nietzsche, a partir de então o predomínio da racionalidade (o pequeno
saber) sobre os instintos (o grande saber) marcou toda a história ocidental.
A tragédia grega
BOOCYS/SHUTTERSTOCK
REPRODUÇÃO/MUSEU METROPOLITANO DE ARTE DE NOVA IORQUE, EUAA tragédia grega surgiu no século VI a.C.,↑ Vaso de cerâmica grego
derivada da tradição poética e mítica da Grécia representando as figuras míticas
antiga. A encenação era desenvolvida em forma de Orestes, Electra e Hermes na
de um drama, no qual se apresentavam con- tumba de Agamenon, s.d.
flitos entre o personagem e o poder ou forças
superiores, como a lei, a sociedade, os deuses
e o destino. Os três maiores dramaturgos da
Grécia antiga foram Ésquilo (525-456 a.C.), cujas
principais obras são As suplicantes, Prometeu
acorrentado, Os persas, Os sete contra Tebas e
a trilogia de Oréstia; Sófocles , que criou, en-
tre outras peças, Édipo rei, Antígona e Electra;
e Eurípides, que escreveu quase uma centena
de peças, sendo as mais conhecidas O ciclope,
Medeia, Hércules, Andrômaca, As bacantes, As
troianas e As suplicantes.
↑ Pietá, escultura de ↪ Cristianismo: o platonismo para as massas
Michelangelo, 1497-1499. Para
Nietzsche, o sentimento cristão Nietzsche afirmava que o cristianismo era uma espécie de pla-
de piedade anula a vitalidade da tonismo para as massas ou para o povo. Da mesma maneira que a
natureza humana.
teoria de Platão, o cristianismo teria sido criado para consolar o
homem e ajudá-lo a suportar a vida. Como a realidade é cruel,
o cristianismo seria uma invenção moral e religiosa criada para
dar sentido à existência humana com a ideia de uma vida além
da morte.
Ao fazer isso, na visão de Nietzsche, o cristianismo
negava a vivência concreta do homem no tempo, negava
seu caminho inexorável para a morte, pois só a matéria
e a vida terrena pereciam. A imortalidade e a felicidade
estariam reservadas em outro mundo para todo aquele
que seguisse os preceitos cristãos. Segundo Nietzsche,
a moral cristã nada mais era do que a pregação da
renúncia à vida e do ascetismo. O cristianismo iria
contra tudo o que é vital e digno no homem, opondo
e reprimindo sua natureza.
“O cristianismo tomou o partido de tudo o que é fraco, baixo, incapaz, e transformou em
ideal a oposição aos instintos de conservação da vida saudável; e até corrompeu a faculdade
daquelas naturezas intelectualmente poderosas, ensinando que os valores superiores do inte-
lecto não passam de pecados, desvios e tentações.”
NIETZSCHE, Friedrich. O Anticristo. Trad. Pietro Nassetti. São Paulo: Martin Claret, 2004. p. 40.
266 UNIDADE 5: O MUNDO EM CONFLITO