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↻	A complexa tarefa de criar uma identidade

      Todos esses aspectos da sociedade pós-moderna – o bombardeio de infor-
mações fragmentadas, o consumo obsessivo, o predomínio da imagem sobre o
real, a falta de uma visão totalizadora da realidade, a ausência de um sentido
fora do âmbito do consumo – contribuem para tornar complexa a busca pela
identidade. O indivíduo está diante de uma realidade caótica, fluida (Bauman
chama a sociedade contemporânea de modernidade líquida), e a todo momento
tem de escolher entre múltiplas possibilidades.

      A provisoriedade da identidade é intensificada pela fluidez, pela incerte-
za, pela mudança constante de valores, pela frenética busca pela novidade e
pela rapidez da informação fragmentada. Para ter uma identidade, não basta
pertencer a uma família, a uma comunidade ou nação. A identidade é cons-
tituída também com a contribuição de outros diversos elementos identitá-
rios, como estudo, profissão, trabalho, passatempo, esporte, pertencimentos
a grupos sociais presenciais e virtuais. A percepção que cada pessoa tem de
si em relação ao gênero (identidade de gênero), os cuidados com o corpo, a
relação que estabelece com as vivências humanas – como a arte, a ciência e
a religião –, o status de consumidor são alguns desses elementos sujeitos a
variações das circunstâncias, da economia e da sociedade.

           “As ‘identidades’ flutuam no ar, algumas de nossa própria escolha, mas outras infladas e
    lançadas pelas pessoas em nossa volta, e é preciso estar em alerta constante para defender as
    primeiras em relação às últimas.”

                                                         BAUMAN, Zygmunt. Identidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005. p. 19.

      Em tal situação, muitas de nossas escolhas são induzidas por interesses
de diversas ordens que nem sempre beneficiam nossa constituição identitária.
Em relação a isso, só há um antídoto: estar alerta, refletir constantemente so-
bre o processo de formação de nossa identidade e sobre as pressões sociais.
Em certa medida, temos de refletir sempre não tanto sobre o que somos, mas
sobre o que queremos ser.

      Na obra Identidade, Bauman faz uma analogia esclarecedora entre a com-
posição da identidade pessoal e a montagem de um quebra-cabeça: antes de
se iniciar a montagem deste, já se conhece a imagem que será formada, isto é,
os encaixes estão previamente definidos. Isso guia o caminho a ser seguido, pois
é possível comparar o que está em produção com a imagem total, verificando
o que deve ser feito para concluir a montagem.

      Na composição da identidade, os passos são outros. As peças estão espa-
lhadas na sociedade fluida, mas não se conhece a imagem que deverá aparecer
no final. Cada peça deve ser analisada, e o sentido é estipulado pelo indivíduo,
que busca compor sua identidade. Há um processo de experimentação, no qual
é necessário juntar, agrupar, descartar e reutilizar as imagens. Que imagens eu
preciso para criar minha identidade? Não é possível responder a essa pergunta
de antemão. Só restam o olhar atento e o crivo rigoroso do pensamento reflexivo.

                                                                                                                                 CALVIN & HOBBES, BILL WATTERSON
                                                                                                                                    © 1993 WATTERSON / DIST. BY UNIVERSAL UCLICK

↑ Calvin e Haroldo (1993), tirinha de Bill Watterson. O consumismo exacerbado é uma das características da
pós-modernidade e exerce influência na construção das identidades.

CAPÍTULO 25: AS FILOSOFIAS PÓS-MODERNAS E O FIM DOS GRANDES RELATOS                                                              311
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