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Derrida defende a ideia de que não há apenas A lógica do sentido
uma interpretação válida para a escritura, um centro
legítimo ou uma verdade singular que devam predo- No livro Lógica do sentido, publicado pela pri-
minar em relação aos demais. Desconstruir, então, meira vez em 1969, Deleuze desenvolveu uma impor-
é não apenas desarmar, desmontar e desfazer, mas tante reflexão sobre o conceito de sentido. Para ele,
também rearmar, remontar e refazer de diferentes o sentido é algo indefinível, fluido, que se estabelece
formas, criando outras estruturas e sentidos. sempre momentaneamente no jogo entre a linguagem
e o mundo, não se deixando apreender pelas regras
Desse modo, promove-se a desconstrução de um lógicas (princípios da identidade, da não contradição
discurso totalizante da razão, seja ele metafísico ou e do terceiro excluído) nem pelas teorias da filosofia
idealista, para negar o caráter inequívoco do sentido e analítica, de acordo com as quais haveria uma ordem
trazer à tona outros sentidos que foram obscurecidos estável no discurso. O real e a linguagem não são
pelo predomínio de uma interpretação fundamenta- estáveis, mas marcados pelo movimento incessante,
da em grandes conceitos universais – Deus, razão, pela instabilidade e pela imprevisibilidade.
Espírito Absoluto, verdade, essência, substância.
É nesse quadro de contínua mudança que os jo-
↪ Deleuze: a experimentação gos de sentido entre as palavras e as coisas e entre
de novos modos de vida e de a linguagem e o mundo ocorrem. A fluidez desses
pensamento jogos se evidencia pelas constantes mudanças de
suas regras, que são criadas e desrespeitadas ou
Assim, como Lyotard e Derrida, o filósofo fran- transgredidas, dando lugar momentaneamente a
cês Gilles Deleuze (1925-1995) se contrapôs às filo- novas regras, a novos jogos e a novos sentidos.
sofias metafísicas e idealistas, ou seja, às grandes
narrativas ocidentais. Em vez de apenas criticar o ↪ Lipovetsky: o predomínio do
passado filosófico ou procurar superar a metafísica, efêmero
Deleuze buscou firmar uma filosofia radicalmente
experimental e emancipadora. O filósofo francês Gilles Lipovetsky estudou e
descreveu as profundas mudanças que marcam a
O filósofo partiu da ideia de que a arte, a ciência sociedade pós-moderna. DOC1 De acordo com ele, o fim
e a filosofia são formas originais e legítimas de or- das chamadas profecias seculares teria dado lugar a
denar o caos. A arte luta com o caos, organizando-o uma nova lógica, uma maneira diferente de entender o
por meio da sensação, enquanto a ciência o ordena mundo e de vivenciá-lo, cujo referencial seria a moda.
mediante limites e mensurações. A filosofia, por sua
vez, cria conceitos para lidar com o caos. “A partir do momento em que desabam as convicções
escatológicas e as crenças numa verdade absoluta da histó-
“Os conceitos não nos esperam inteiramente fei- ria, um novo regime de ‘ideologias’ se instala: o da moda. A
tos, como corpos celestes. Não há céu para os conceitos. ruína das visões prometeicas abre uma relação inédita com
Eles devem ser inventados, fabricados ou antes criados e os valores, um espaço ideológico essencialmente efêmero,
não seriam nada sem a assinatura daqueles que os criam. móvel, instável. Não temos mais megassistemas, temos a
Nietzsche determinou a tarefa da filosofia quando escreveu: flutuação e a versatilidade das orientações. Tínhamos a fé,
‘Os filósofos não devem mais contentar-se em aceitar os con- temos a paixonite. Após a era intransigente e teológica, a era
ceitos que lhe são dados, para somente limpá-los e fazê-los da frivolidade do sentido: as interpretações do mundo foram
reluzir, mas é necessário que eles comecem por fabricá-los, aliviadas de sua gravidade anterior, entraram na embriaguez
criá-los, afirmá-los, persuadindo os homens a utilizá-los [...]’.” leve do consumo e do serviço instantâneo.”
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. O que é filosofia? 3. ed. Rio de Janeiro: LIPOVETSKY, Gilles. O império do efêmero: a moda e seu destino nas
Editora 34, 2010. p. 11-12. sociedades modernas. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. p. 281.
A tarefa principal da filosofia seria a criação A efemeridade, a mobilidade, a instabilidade, a
permanente de conceitos, necessários para a com- frivolidade, a sedução e a busca incansável do novo,
preensão de problemas filosóficos de cada área de características do mundo da moda, teriam invadi-
estudo ou campo de expressão humana. Assim, por do a sociedade e marcado seu comportamento. As
exemplo, o cinema, a pintura, a ciência e a filoso- pessoas não se guiariam mais por ideologias fixas e
fia teriam problemas específicos. Com base nesses estruturantes da realidade, mas pelas paixões pas-
problemas, os filósofos criariam conceitos e os mo- sageiras orientadas pelos prazeres, pelo consumo
dificariam, em busca da clareza possível entre as e pela afirmação individual.
muitas incertezas.
Sem extremismos, sem grandes causas, o sen-
Dessa maneira, diferentemente do que se afir- tido de vida e de identidade perderia substância. O
mava com base nos grandes sistemas filosóficos indivíduo estaria sempre preparado para a mudança
metafísicos e idealistas, não haveria apenas um pa- de rota, de convicções e de ideologias, tendo como
râmetro a guiar a filosofia, nem valores eternos e norte apenas a própria felicidade.
absolutos que devessem ser o centro da reflexão
filosófica. O que predominaria seria o estilo de vida leve,
lúdico, estético, hedonista, midiático e consumista.
308 UNIDADE 5: O MUNDO EM CONFLITO