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O ser humano é um ser prático, ao produzir A práxis não se reduz à prática utilitária e ime-
para sua subsistência. Mas sua produção não é in- diata do nosso dia a dia, mas compreende a ação
dividual nem imutável. Os indivíduos realizam suas humana social, a alteração que essa ação provoca
ações em sociedade e é por meio das relações so- na realidade, o autoproduzir-se humano como fru-
ciais que estabelecem sentido para suas atividades. to de sua intervenção na realidade e a consciência
Esses sentidos mudam no tempo de acordo com a histórica desse processo.
organização material da sociedade e os valores de
cada época. A práxis e a liberdade humana
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BROOKE ANDERSON
↑ Juanito tomando banho entre as latas, 1974, personagem criado pelo ↑ A ideia de unidade dos povos latino-americanos na luta pela
pintor argentino Antonio Berni para denunciar as mazelas criadas pelo emancipação sempre esteve presente na reflexão das filosofias da
colonialismo e pela sociedade industrial. A arte, para Berni, era uma libertação. Na imagem, mural em Caracas, Venezuela. Foto de 2006.
ferramenta para transformar o mundo.
A práxis, então, é um modo de ser especifica-
A práxis compreende a intervenção social do mente humano. Segundo o filósofo tcheco Karel
ser humano no mundo, que altera e transforma a Kosik (1926-2003), a práxis revela o segredo do
realidade. Por sua vez, a transformação da realidade homem: ele é um ser “ontocriativo”. Essa expres-
modifica o ser humano. Essa relação entre atividade, são indica que o ser humano se autocria, transfor-
transformação da realidade e constituição humana, mando a natureza e criando a realidade cultural.
característica de nosso modo de ser, foi muito des- É essa característica da existência humana que
tacada pelo marxismo. O filósofo e escritor espa- funda a sua liberdade. O homem tem liberdade
nhol Adolfo Sánchez Vázquez (1915-2011) tem uma de criticar e mudar a realidade e de se constituir
formulação esclarecedora a esse respeito. como quiser. Por isso, tem responsabilidade pelo
que se torna.
“[...] o homem só tem essência como ser social, só a
tem igualmente como ser que produz; mas, por sua vez, esse “A práxis é tanto objetivação do homem e domínio da
processo de transformação da realidade objetiva no decorrer natureza quanto realização da liberdade humana.”
do qual ele se produz a si mesmo é um processo que se de‑
senvolve no tempo, o que impede fixar o homem – como ser KOSIK, Karel. Dialética do concreto. 4. ed. Rio de Janeiro:
social e prático – numa forma determinada de sua atividade Paz e Terra, 1976. p. 205.
prática. Desse modo, a essência humana residiria na natureza
social, prática (produtora) e histórica do homem. O homem Para desfrutar plenamente da liberdade, no
é um ser que produz socialmente, e que nesse processo se entanto, o indivíduo deve, antes de tudo, com-
produz a si mesmo. Esse autoproduzir-se – como processo preender a realidade como um fazer social e his-
no tempo – faz dele um ser histórico.” tórico, passível de transformação, desnaturalizan-
do sua condição.
SÁNCHEZ VÁZQUEZ, Adolfo. Filosofia da práxis. 2. ed. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1977. p. 423.
CAPÍTULO 10: A FILOSOFIA DA LIBERTAÇÃO E OS DIREITOS HUMANOS NA AMÉRICA LATINA 113