Page 153 - PNLD 2026 - FILOSOFIA
P. 153

© OPPENHEIM, MERET/LICENCIADO POR AUTVIS, BRASIL, 2024.  ↑ Objeto, café da manhã envolto                                   entretanto, o calor, a dor e a doçura não estão no objeto percebido, mas são
   SCALA, FLORENÇA ‑MUSEU DE ARTEMODERNA, NOVAYORK       em pele (1936), obra de Meret                                     sensações provocadas por ele. Por isso, o filósofo as chama de qualidades
                                                         Oppenheim. Ao envolver tais                                       secundárias.
                                                         objetos com pele de animal, o
                                                         artista causa uma perturbação                                           Para a teoria do conhecimento lockeana, as qualidades primárias de um
                                                         no espectador, pois manipula sua                                  limão são a de ter uma extensão e a de apresentar determinada consistência
                                                         percepção. Independentemente                                      ou solidez. O gosto azedo dessa fruta, entretanto, não está no limão. Ou seja,
                                                         desse efeito, o objeto apresenta                                  o limão tem determinadas características originais que provocam – ou têm o
                                                         qualidades primárias, como a                                      poder de provocar – o gosto ou a ideia de azedo.
                                                         extensão e a consistência. Já
                                                         sua temperatura, sua cor e seu                                          Assim, as ideias do ser humano vêm das sensações externas e internas.
                                                         odor compõem as características                                   Dependem, por um lado, do poder que as coisas externas têm de afetar o
                                                         secundárias.                                                      indivíduo por suas qualidades primárias ou secundárias e, por outro, da capa-
                                                                                                                           cidade humana de percebê‑las e de refletir sobre elas.

                                                                                                                           	↪	 Ideias simples e complexas

                                                                                                                                 Há outra classificação importante concebida por Locke a respeito das
                                                                                                                           ideias: elas podem ser simples ou complexas. Ideias simples são aquelas que
                                                                                                                           não contêm mistura, que se apresentam na mente de maneira clara, distinta
                                                                                                                           e uniforme, e que, portanto, não podem ser compartimentadas, como a ideia
                                                                                                                           de brancura advinda de uma rosa ou de uma camisa brancas. Essa ideia é
                                                                                                                           simples e não pode ser dividida ou separada em partes. Outros exemplos de
                                                                                                                           ideias simples: maciez, dureza, frieza, unidade, prazer e dor.

                                                                                                                                 Quando o ser humano está de posse de ideias simples, pode formar
                                                                                                                           ideias complexas, ou seja, comparar ideias simples, associá‑las ou disso-
                                                                                                                           ciá‑las umas das outras, uni‑las ou separá‑las, relacionando‑as das mais
                                                                                                                           diversas maneiras.

                                                                                                                                 Por exemplo, da ideia simples de unidade, por meio de repetição, pode‑se
                                                                                                                           conceber a ideia complexa de par ou de dúzia.

                                                                                           ERNESTO REGHRAN/PULSAR IMAGENS  		↪ A existência das coisas exteriores

                                                         ↑ Turistas observam as                                                  Se compararmos a teoria do conhecimento de Locke à de Descartes,
                                                         Cataratas do Iguaçu e fotografam                                  estudada no capítulo anterior, encontraremos muitas diferenças. A dúvida
                                                         com o celular. Foz do Iguaçu                                      cartesiana radical leva inicialmente à negação da existência dos corpos e à
                                                         (PR), 2015. Para Locke, se                                        elaboração da primeira certeza: a existência do eu ou da coisa pensante –
                                                         recebemos ideias – como a de                                      “Penso, logo existo”. Era com ela que o filósofo francês pretendia construir as
                                                         água e de verde – em nossa                                        bases do conhecimento seguro. Locke, por sua vez, se apoiava na existência
                                                         mente, algo exterior à mente                                      de coisas exteriores aos seres humanos, evidenciada pelo fato de elas os
                                                         deve causá‑las.                                                   afetarem, causando‑lhes ideias.

                                                                                                                                      “É a recepção atual de ideias de fora que nos adverte da existência de outras coisas e nos
                                                                                                                               permite conhecer a existência de algo, naquele instante, fora de nós, de algo que causa em nós
                                                                                                                               a ideia, mesmo que não saibamos nem imaginemos o que seja. Em nada diminui a certeza de
                                                                                                                               nossos sentidos e das ideias deles recebidas o fato de não sabermos qual via as produziria. Por
                                                                                                                               exemplo, enquanto escrevo, produz‑se em minha mente, pelo papel que afeta meus olhos, a
                                                                                                                               ideia chamada branco, não importa qual objeto a cause. Eu sei assim que essa qualidade ou
                                                                                                                               acidente (cuja aparição diante de meus olhos causa sempre essa ideia) realmente existe fora
                                                                                                                               de mim. A maior garantia do alcance de minhas faculdades é o testemunho de meus olhos,
                                                                                                                               próprios e únicos juízes, que confio ser tão certo que não ouso duvidar, enquanto escrevo,
                                                                                                                               de que vejo branco e preto, realmente existentes e causando em mim uma sensação, assim
                                                                                                                               como eu não duvidaria que ao escrever movo minha mão.”

                                                                                                                                              LOCKE, John. Ensaio sobre o entendimento humano. São Paulo: Martins Fontes, 2012. p. 693‑694.

                                                                                                                                 Se recebemos ideias de fora, algo causa ideias em nós. Podemos não saber
                                                                                                                           o que esse algo é realmente. No entanto, não podemos negar sua existência
                                                                                                                           nem as qualidades que nos afetam. Em outras palavras, as ideias advêm das
                                                                                                                           qualidades primárias do objeto observado, e essas qualidades nos afetam. O
                                                                                                                           branco do papel, por exemplo, modifica nossa mente ou produz nela ideias
                                                                                                                           dessa qualidade, e, por isso, sabemos que o objeto existe fora de nós, mesmo
                                                                                                                           que seja muito diferente daquele que percebemos pela experiência.

                                                                                                                           CAPÍTULO 13: EMPIRISMO: OS SENTIDOS E O CONHECIMENTO                                                              151
   148   149   150   151   152   153   154   155   156   157   158