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“Dessa forma, todo estado de consciência em geral é, em si mesmo, consciência de alguma
                                   coisa, qualquer que seja a existência real desse objeto [...]. [...] todo estado de consciência ‘assume’
                                   algo, e que ele carrega em si mesmo, como ‘assumido’ [...].

                                          A percepção da ‘casa’ ‘assume’ uma casa – ou, mais exatamente, determinada casa in-
                                   dividual – da maneira perceptiva; a lembrança da casa ‘assume’ a casa como lembrança; a
                                   imaginação, como imagem própria ao julgamento predicativo [...] e assim por diante. Esses
                                   estados de consciência são também chamados de estados intencionais.”

                                                 HUSSERL, Edmund. Meditações cartesianas: introdução à fenomenologia. São Paulo: Madras, 2001. p. 50-51.

                                  Na fenomenologia, a consciência não é entendida como uma substância
                            pensante, como afirmava René Descartes, nem uma alma, como designavam
                            diversos sistemas metafísicos e religiosos, nem tampouco uma coisa que pode
                            ser mensurada e estudada por meio de qualquer ciência empírica. A consciência
                            é uma atividade vinculada às experiências humanas – o modo de o ser humano
                            se relacionar com o mundo. É ela, o seu visar, que dá sentido às coisas.

                    		↪ Hermenêutica: interpretações e sentidos

                                  A palavra hermenêutica significa originalmente “interpretação”. Interpretar um
                            texto é revelar o verdadeiro sentido que nem sempre está dado literalmente. A her-
                            menêutica tem uma história longa, mas sua relação com a filosofia é mais recente. Os
                            primórdios da filosofia hermenêutica estão no filósofo, teólogo protestante e idealista
                            alemão Friedrich Ernst Daniel Schleiermacher (1768-1834), que buscou interpretar os
                            textos sagrados. Ele pretendia realizar uma interpretação universal da Bíblia.

                                  Hermenêutica é a arte da interpretação, um método ou uma técnica que pos-
                            sibilita não só a compreensão das escrituras sagradas, mas também de qualquer
                            discurso escrito ou falado. Em outras palavras, a hermenêutica pode ser usada
                            para compreender as ideias e os sentidos em diversos campos da atuação humana.

                                  Para o filósofo, crítico literário e historiador alemão Wilhelm Dilthey (1833­
                            ‑1911), a hermenêutica é uma ciência que deve se constituir por um conjunto me-
                            todológico de regras que conduzem à boa interpretação das expressões de vida
                            do espírito – história, economia, direito, religião, literatura, arquitetura, música,
                            psicologia, filologia e filosofia. Assim, serviria ao conjunto das ciências humanas.
                            Como ciência, a hermenêutica pode ser definida como um método de interpreta-
                            ção que busca encontrar um sentido objetivo nas coisas, que não seja influenciado
                            pela subjetividade do sujeito que interpreta.

                                  O filósofo alemão Hans-Georg Gadamer (1900-2002) é considerado o mais
                            importante pensador da hermenêutica filosófica. Para ele, não se trata de uma
                            ciência nem de uma doutrina ou um fundamento de métodos das ciências hu-
                            manas, como queria Dilthey. A hermenêutica lida com as experiências humanas,
                            e com a interpretação e os sentidos dessas experiências.

                                          “O modo como vivenciamos uns aos outros, como vivenciamos as tradições históricas,
                                   as ocorrências naturais de nossa experiência e do nosso mundo, é isso que forma um universo
                                   verdadeiramente hermenêutico, no qual não estamos encerrados como entre barreiras intrans-
                                   poníveis, mas para o qual estamos abertos.”

                                         GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método: traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica. 3. ed. Petrópolis:
                                                                                                                                                            Vozes, 1999. p. 35.

                                  Gadamer resgata de Heidegger, que foi seu professor, a ideia de que a com-
                            preensão, interpretação ou hermenêutica não é um instrumento que está à disposi-
                            ção do sujeito e do qual ele pode ou não lançar mão. Para ele, a compreensão, o ato
                            de conferir sentido às coisas, é algo constitutivo do ser humano e que faz parte de
                            sua essência histórica. É a maneira como ele lida com o mundo e consigo próprio.

                                  Por exemplo, o intérprete de um texto nunca começa a leitura do zero. Ele
                            tem consigo um conjunto de pressuposições, um sentido preliminar, que pode
                            ou não ser confirmado pelo trabalho interpretativo. Assim, a revisão contínua,
                            a mudança de sentido em sentido, as alterações das pré-compreensões e das
                            compreensões desenvolvidas pelo intérprete podem revelar a alteridade do tex-
                            to, isto é, sua diferença, sua diversidade em relação às nossas pressuposições,
                            à nossa mentalidade, que é formada em determinado momento histórico e em
                            determinada cultura.

CAPÍTULO 22: AS ORIGENS DA FILOSOFIA CONTEMPORÂNEA E A BUSCA PELO SENTIDO: FENOMENOLOGIA, HERMENÊUTICA E FILOSOFIA ANALÍTICA 277
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