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A percepção dos fatos e sua respectiva contingência fazem parte de nosso
cotidiano. Mas a percepção de um fato, de um objeto como a árvore, o canto do
bem-te-vi ou o triângulo, implica a captação de algo além do evento particular.
Trata-se de uma intuição ideal: a intuição da essência.
“A essência (eidos) é uma nova espécie de objeto. Assim como o que é dado na intuição
individual ou empírica é um objeto individual, assim também o que é dado na intuição de
essência é uma essência pura.”
HUSSERL, Edmund. Ideias para uma fenomenologia pura e para uma filosofia fenomenológica. 5. ed. Aparecida:
Ideias & Letras, 2006. p. 36.
Os fatos particulares são reais, ao passo que as essências (os universais)
são ideais. São elas, as essências, que, traduzidas em conceitos, nos possibili-
tam classificar ou ordenar os fatos particulares. Dessa maneira, na percepção,
quando algo aparece à consciência (um fenômeno), há dois tipos de intuição, que
se realizam conjuntamente: a intuição de um fato e a intuição de uma essência.
A intuição de uma essência é de ordem intelectual – trata-se do sentido ideal
que se atribui ao fato e que serve para identificá-lo.
Assim, a fenomenologia é a ciência por meio da qual se investigam as es-
sências dos fenômenos ou os sentidos que a consciência atribui aos fenômenos
que ocorrem nas diversas experiências humanas.
Veja respostas e orientações ↪ Os diversos reinos das essências
no Manual do Professor.
A fenomenologia não se interessa pelos fatos da mente de um indivíduo
QUESTÃO em particular, mas pelo que há de essencial nas vivências da consciência. O
que essa afirmação significa?
• Em uma escola primá-
ria, uma criança faz um Pense em uma sessão de análise. O psicólogo está preocupado com os
quadrado com dobradura, acontecimentos importantes na vida de seu paciente e com os processos men-
outra desenha um qua- tais que esses eventos desencadearam. Em outras palavras, está preocupado
drado no caderno usando com o entendimento que o sujeito tem da própria vida e com as experiências
lápis de cor e uma terceira particulares, atentando a traumas, distúrbios, angústias, ansiedades, temores
criança recorta uma forma etc. Sob esse ponto de vista, cada indivíduo deve ser considerado de acordo
geométrica idêntica à dos com sua trajetória particular e suas características próprias.
colegas em uma folha de
cartolina. Com base na Diferentemente da atividade do psicanalista, que investiga as particula-
teoria fenomenológica ridades da trajetória de cada indivíduo, o fenomenólogo trata das condições
de Husserl, identifique o necessárias para que algo se forme na mente humana por meio da experiência
fato e a essência de cada perceptiva, da imaginação, da lembrança ou de outro tipo de vivência. Ele in-
experiência. vestiga as estruturas essenciais de todo tipo de experiência consciente.
Essas estruturas essenciais, isto é, as condições sem as quais não há
vivência na consciência ou na mente, são universais, ou seja, estão presentes
em todos os indivíduos. Para acontecer uma vivência perceptiva em qualquer
indivíduo, é necessário que determinadas condições estejam estabelecidas.
A fenomenologia, então, estuda a essência dos fenômenos que aparecem
na consciência (o universal), sem se prender à experiência psicológica subjetiva.
Um fenomenólogo não se preocupa, portanto, com os processos psicológicos
envolvidos no desenvolvimento das emoções ou dos valores de um indivíduo em
particular, mas com as condições essenciais que permitem a vivência ou as ex-
periências a todos os indivíduos.
Dois exemplos: a percepção e a recordação
Existem vários tipos de vivência na mente. Cada um deles determina de
maneira específica como a coisa aparecerá na consciência. Para entender me-
lhor, comparemos uma percepção com uma recordação. Imagine que você veja
ou toque um caderno. Você tem à frente algo físico, para o qual está olhando ou
tocando. Toda vivência perceptiva apresenta esta característica: requer a pre-
sença de uma coisa física. No caso, o caderno, mas poderia ser outro objeto.
Não acontece o mesmo com a vivência da recordação. Quando você tem
uma lembrança, a consciência mantém a percepção da coisa física mesmo
na ausência dela, como quando você apenas se lembra de um caderno ou de
qualquer outra coisa, apesar de não poder vê-lo nem o tocar.
CAPÍTULO 22: AS ORIGENS DA FILOSOFIA CONTEMPORÂNEA E A BUSCA PELO SENTIDO: FENOMENOLOGIA, HERMENÊUTICA E FILOSOFIA ANALÍTICA 275