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↻ O problema da linguagem e a filosofia analítica
A busca pela clareza e pela compreensão do ↪ A teoria das descrições
que se pensa e se diz impulsiona os estudos sobre a
linguagem. O matemático e filósofo alemão Gottlob O filósofo, matemático e lógico galês Bertrand
Frege (1848-1925) foi, para muitos, o precursor da filo- Russell (1872-1970) tinha muito interesse no estu-
sofia analítica. Entre suas contribuições para o estudo do da linguagem. Influenciado pelas reflexões de
da linguagem, destaca-se a distinção entre sentido, Frege, ele acreditava que muitas confusões de en-
referência e representação, registrada no texto Sobre tendimento eram provocadas pelas formulações da
o sentido e a referência, de 1892. linguagem comum, ou seja, a linguagem utilizada no
cotidiano. Isso porque a linguagem que utilizamos
Se digo “Esta maçã” mostrando um objeto, no- no dia a dia não é completamente lógica.
meio esse objeto – no caso, a fruta. A expressão
“Esta maçã” é um sinal ou um nome que se refere Russell dedicou boa parte de sua obra à análi-
a determinada fruta. Há um sinal ou nome – “Esta se da linguagem, buscando, por meio da decompo-
maçã” – e uma referência – a fruta. Contudo, essa sição das sentenças, revelar suas estruturas lógicas.
fruta pode ser chamada de outros nomes, como Segundo esse filósofo, haveria dois tipos de conhe-
“fruto da macieira” ou “maçã vermelha”. “Esta maçã cimento: por familiaridade ou por descrição. O co-
vermelha” e “Este fruto da macieira” são dois si- nhecimento por familiaridade seria obtido quando há
nais ou nomes para a mesma referência – a fruta –, contato direto com as coisas. Assim, quando se olha
mas o modo de designação ou apresentação da fru- para um objeto, apreendem-se os elementos mais
ta – o sentido – é diferente. No exemplo, há um ob- simples, como a cor, a forma, a aspereza, o tamanho
jeto, a maçã, e dois sinais, cada um com um sentido desse objeto. Só depois, com base na reunião ou na
específico, que carregam informações distintas: um composição desses elementos, o objeto é reconhecido.
indica que a fruta é vermelha, e o outro, que ela é Por exemplo, quando se está em frente a uma cadeira,
fruto de uma árvore – a macieira. imediatamente apreendem-se a cor, a forma, a textura
e outros dados sensíveis dela. Aqui o conhecimento se
↪ Valor objetivo do sentido e valor dá pela familiaridade. Uma vez adquirido o conheci-
subjetivo da representação mento prévio dos dados sensíveis relacionados à ca-
deira, estes são utilizados para compor mentalmente
Qualquer pessoa pode compreender a referên- o objeto, conduzindo ao conhecimento por descrição.
cia e o sentido das expressões “esta maçã”, “fruto
da macieira” ou “maçã vermelha”. Dessa maneira, Grande parte do que expressamos nas frases,
o sentido não é algo subjetivo e pode ser compar- sentenças ou afirmações é conhecimento por des-
tilhado entre os indivíduos. Outra coisa é a repre- crição. Desse modo, na frase “A cadeira sob a mesa
sentação que cada indivíduo experimenta quando está quebrada” há várias expressões, como “cadeira”
ouve a expressão “maçã vermelha”, por exemplo. e “mesa” (conhecimento por descrição), que são cons-
Representação é uma imagem interna impregnada tituídas por dados sensíveis diversos (conhecimento
de lembranças e experiências vividas, carregadas por familiaridade).
ou não de emoções e de sentimentos. Cada sujei-
to tem a sua representação, que é completamente Russell acreditava que o conhecimento direto
subjetiva, pois é uma imagem interna concebida pelo dos dados sensíveis era certo e seguro, pois não
indivíduo e, portanto, incomparável. apresentava nenhuma dúvida, enquanto o conheci-
mento por descrição poderia ser verdadeiro ou falso.
Se os sentidos ou pensamentos são objetivos e Por conseguinte, era preciso criar uma teoria ou um
podem ser expressos por sentenças ou afirmações, método para investigar as afirmações presentes na
a filosofia, que busca comunicar ideias de modo cla- linguagem. A teoria das descrições, criada por ele,
ro e preciso, deve ter como centro de preocupação a foi esse método.
investigação da linguagem. Por meio dela, da análise
das afirmações ou proposições, do esclarecimento Para o filósofo, as sentenças da linguagem deve-
do sentido e da referência dos nomes e das expres- riam ser devidamente analisadas, quer dizer, decom-
sões que compõem as proposições, obtém-se cla- postas até se chegar ao elemento linguístico que faz
reza sobre os pensamentos. Frege apontou o novo referência ao elemento simples da realidade. Ou seja,
caminho da filosofia: a investigação semântica, isto Russell pretendia, por meio da análise da linguagem,
é, o estudo do sentido ou significado das sentenças chegar ao conhecimento seguro dos dados sensíveis.
ou dos enunciados. DOC. 1
Ele acreditava, então, que havia uma correspon-
dência entre os dados e a realidade do mundo, entre
o que ele chamava de signo atômico (a palavra ou
expressão simples) e o fato atômico (os elementos
básicos que constituem o mundo).
272 UNIDADE 5: O MUNDO EM CONFLITO