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↻ Identidade e sociedade procura só chega ao fim com a morte, pois as ca- ALAMY/FOTOARENA
racterísticas que nos distinguem (identitárias) e nos
Como vimos nos capítulos anteriores, o conceito tornam singulares não são fixas, mas se constituem
de identidade foi antecipado por Parmênides e conso- – sendo firmadas, trocadas, aperfeiçoadas ou ne-
lidado por Aristóteles. De acordo com esse conceito, gadas – no âmbito da experiência existencial. Isso
“o que é é”, ou seja, uma coisa é idêntica a si mesma: significa também que a constituição da identidade
A = A. A identidade de algo é sua essência, que é imu- não é um processo isolado, em que o sujeito não
tável. Se alguma coisa perde sua essência, deixa de influencia ou não é influenciado. A identidade do in-
ser o que é. divíduo se “inventa” na relação deste com o mundo,
com as coisas e com as pessoas.
Considerando a identidade nesse sentido essen-
cialista – dada pela natureza ou por características Veja respostas e orientações
inatas –, toda representação do indivíduo é uma es-
pécie de falsidade, pois a identidade do sujeito (o QUESTÃO no Manual do Professor.
que é) é diferente de sua representação, assim como
qualquer representação é diferente do representa- • De que maneira você está criando sua identidade?
do. A respeito disso, o escritor argentino Jorge Luis
Borges (1899-1986), no conto “Do rigor da ciência”, ↪ Múltiplas identidades na
cogitou o mapa de um império que teria a proporção sociedade contemporânea
um por um, isto é, o mapa teria a mesma dimensão
do território. Um mapa desse tipo não teria sentido, Se a identidade não é inalterável e está em pro-
pois seria igual ao objeto representado, eliminando cesso de constituição a partir de nosso nascimen-
a distinção entre um e outro. Assim, a representa- to, quando somos lançados ao mundo, só podemos
ção implica algo a ser representado, que se distingue descobrir o que somos levando em conta o mundo
dela. e as pessoas. É na sociedade em que vivemos que
nossas escolhas e ações formadoras de identidade
No caso da identidade humana, seria preciso assumem diferentes sentidos. Isso significa que as
buscar, então, a essência por trás da aparência, ou características identitárias variam de acordo com a
seja, algo que estaria além da representação social, época em que vivemos.
cultural, econômica, artística etc. Essa abordagem
não parece promissora, pois, de acordo com ela, Para entender melhor esse assunto, precisamos
a identidade é uma substância metafísica desvin- compreender a sociedade contemporânea. Quais
culada da existência concreta do indivíduo e das são suas características e como elas influenciam
transformações pelas quais ele passa no transcurso a constituição de nossa identidade? Que possibili-
de sua vida. dades temos de nos estabelecer nessa sociedade?
Que dificuldades temos de enfrentar? Que decisões
Outra maneira de abordar a identidade é com- precisamos tomar?
preendê-la com base na ideia, desenvolvida pela filo-
sofia existencialista e por outras correntes, de que o ↑ Jovens em evento de cosplay em Kiev, na Ucrânia. Foto de 2016.
indivíduo não nasce com uma essência estabelecida. O cosplay consiste em caracterizar-se como um personagem e
O indivíduo projeta-se no mundo e busca vir a ser. interpretá-lo. Nesse jogo, assumem-se diferentes identidades.
Nesse sentido, torna-se alguém com características
próprias, isto é, estabelece uma identidade, que nun-
ca está plenamente concluída e que muda com o
tempo e com as circunstâncias. O sociólogo polonês
Zygmunt Bauman apresenta um entendimento se-
melhante sobre a identidade.
“[...] Sim, de fato, a ‘identidade’ só nos é revelada como
algo a ser inventado, e não descoberto; como alvo de um
esforço, ‘um objetivo’; como uma coisa que ainda se precisa
construir a partir do zero ou escolher entre alternativas e
então lutar por ela e protegê-la lutando ainda mais – mes-
mo que, para que essa luta seja vitoriosa, a verdade sobre a
condição precária e eternamente inconclusa da identidade
deva ser, e tenda a ser, suprimida e laboriosamente oculta.”
BAUMAN, Zygmunt. Identidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005. p. 21-22.
Bauman chama atenção não só para o fato de
que a identidade é uma invenção que deve ser pro-
curada ou uma coisa que deve ser construída, como
também para a constatação de que ela é sempre
precária, isto é, inconclusa. Isso significa que essa
304 UNIDADE 5: O MUNDO EM CONFLITO