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Périplo: viagem de longa duração. ↻ A filosofia pós-moderna
Uma característica comum entre os filósofos pós-modernos é a denúncia
do fracasso do projeto moderno, ou seja, do Iluminismo. O desenvolvimento
econômico e o avanço da ciência ou da razão técnico-científica não trouxeram
a felicidade e a emancipação para o ser humano.
O desencantamento com as “promessas” do Iluminismo causou aversão
às especulações filosóficas modernas totalizantes, impregnadas da ideia de
progresso da humanidade, além de outras teorias que se apoiavam na crença
em uma razão universal à qual o ser humano se subordinaria. Em contrapartida,
esse estado de coisas estimulou o desenvolvimento de reflexões sobre aspec-
tos da realidade social que nunca tinham sido alvos de preocupação. Diante do
esfacelamento do projeto moderno, passaram a ser objetos de estudo temas
como a loucura, a esquizofrenia, a morte, o impacto da tecnologia da informação
no cotidiano das pessoas, as instituições e os mecanismos de controle social,
a relação entre o saber e o poder e a condição humana.
↪ Lyotard: as narrativas modernas e pós-modernas
Para o filósofo francês Jean-François Lyotard (1924-1998), até a modernida-
de, o saber, os comportamentos, as práticas, as crenças e os valores de deter-
minada sociedade eram legitimados por discursos gerais ou grandes narrativas
– também chamadas de metanarrativas ou metarrelatos. O fim da crença nesses
discursos totalizantes é uma das características centrais da pós-modernidade.
“Simplificando ao extremo, considera-se ‘pós-moderna’ a incredulidade em relação aos
metarrelatos. [...] Ao desuso do dispositivo metanarrativo de legitimação corresponde sobretudo
a crise da filosofia metafísica e da instituição universitária que dela dependia. A função narrativa
perde seus atores [...], os grandes heróis, os grandes perigos, os grandes périplos e o grande objetivo.
Ela se dispersa em nuvens de elementos de linguagem narrativos, mas também denotativos,
prescritivos, descritivos etc., cada um veiculando consigo validades pragmáticas sui generis.”
LYOTARD, Jean-François. A condição pós-moderna. 14. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2011. p. XVI.
Vejamos o que é uma metanarrativa, para compreender a análise de Lyotard.
Tomemos como exemplo o mito. As histórias míticas legitimavam os comporta-
mentos, as práticas, as crenças e os valores da sociedade mítica. Assim, deter-
minado ritual religioso se apoiava e era legitimado pela história de origem dessa
prática. Ou seja, os mitos justificavam os motivos de práticas rituais específicas
e o modo como elas seriam desenvolvidas.
O mito é uma narrativa simbólica que os povos desenvolvem para com-
preender e explicar o mundo recorrendo a uma época primordial, heroica e
saudosa, considerada a origem de tudo. Para Lyotard, diferentemente das
histórias míticas, as narrativas da modernidade justificavam as ações e as
práticas da sociedade pelo seu fim. Em todas elas, o fim seria a emancipação
da humanidade.
Por exemplo, a principal narrativa da modernidade europeia teria sido a do
Iluminismo. O discurso do Iluminismo ou do Esclarecimento se apoiava na ideia
de que o progresso gerado pelo desenvolvimento da ciência e da tecnologia
(razão) possibilitaria a construção de uma sociedade igualitária, fraterna, sem
injustiças, na qual o ser humano, enfim, seria emancipado e feliz.
Outro exemplo de narrativa que teria como fim a emancipação progressiva
do ser humano seria a do idealismo dialético de Hegel. A história humana seria
a manifestação progressiva do Espírito Absoluto, que, por meio de processos
de afirmação e de negação (dialética), se apresentaria plenamente para o ser
humano. Os acontecimentos, bons ou ruins, expressariam, assim, a marcha
inexorável do espírito.
O marxismo constituiria outra grande narrativa. De acordo com a ideologia
marxista, por meio da luta de classes, a humanidade conquistaria a emancipação
e chegaria ao fim da exploração do homem pelo homem.
CAPÍTULO 25: AS FILOSOFIAS PÓS-MODERNAS E O FIM DOS GRANDES RELATOS 305