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DOC. 1                                                         animais, tem o dom da palavra; a voz é o sinal da dor e
                                                                    do prazer, e é por isso que ela foi também concedida aos
          O trecho a seguir faz parte de uma das prin-              outros animais. Estes chegam a experimentar sensações de
    cipais obras de Aristóteles, A política, que trata              dor e de prazer, e a se fazer compreender uns aos outros.
    da importância da vida na pólis para a realização               A palavra, porém, tem por fim fazer compreender o que
    plena do ser humano.                                            é útil ou prejudicial, e, em consequência, o que é justo ou
                                                                    injusto. O que distingue o homem de um modo específico
    A cidade faz parte das coisas da                                é que ele sabe discernir o bem do mal, o justo do injusto,
                                                                    e assim todos os sentimentos da mesma ordem cuja co‑
    natureza                                                        municação constitui precisamente a família do Estado.

               “A sociedade constituída por diversos pequenos              Na ordem da natureza, o Estado se coloca antes
        povoados forma uma cidade completa, com todos os            da família e antes de cada indivíduo, pois que o todo
        meios de se abastecer por si, e tendo atingido, por assim   deve, forçosamente, ser colocado antes da parte. Erguei
        dizer, o fim que se propôs. Nascida principalmente da       o todo; dele não ficará mais nem pé nem mão, a não ser
        necessidade de viver, ela subsiste para uma vida feliz.     no nome, como se poderá dizer, por exemplo, uma mão
        Eis por que toda a cidade se integra na natureza, pois foi  separada do corpo não mais será mão além do nome.
        a própria natureza que formou as primeiras sociedades:      Todas as coisas se definem pelas funções; e desde o
        ora a natureza era o fim dessas sociedades; e a natureza    momento em que elas percam os seus característicos,
        é o verdadeiro fim de todas as coisas. Dizemos, pois,       já não se poderá dizer que sejam as mesmas; apenas
        dos diferentes seres, que eles se acham integrados na       ficam compreendidas sob a mesma denominação. Evi‑
        natureza quando tenham atingido todo o desenvolvi‑          dentemente o Estado está na ordem da natureza e antes
        mento que lhes é peculiar, por exemplo, o ser humano,       do indivíduo; porque, se cada indivíduo isolado não se
        o cavalo, a família. Além disso, o fim para o qual cada     basta a si mesmo, assim também se dará com as partes
        ser foi criado é de cada um bastar-se a si mesmo; ora       em relação ao todo. Ora, aquele que não pode viver
        a condição de se bastar a si próprio é o ideal de todo      em sociedade, ou que de nada precisa por bastar-se a
        indivíduo, e o que de melhor pode existir para ele.         si próprio, não faz parte do Estado; é um bruto ou um
                                                                    deus. A natureza compele assim todos os homens a se
               É evidente, pois, que a cidade faz parte das coisas  associarem. Àquele que primeiro estabeleceu isso se
        da natureza, que o homem é naturalmente um animal           deve maior bem; porque se o homem, tendo atingido a
        político, destinado a viver em sociedade, e que aquele      sua perfeição, é o mais excelente de todos os animais,
        que, por instinto, e não porque qualquer circunstância o    também é o pior quando vive isolado, sem leis e sem
        inibe, deixa de fazer parte de uma cidade, é um ser vil ou  justiça. Terrível calamidade é a injustiça que tem armas
        superior ao homem. Tal indivíduo merece, como disse         na mão. As armas que a natureza dá ao homem são a
        Homero, a censura cruel de ser um sem família, sem leis,    prudência e a virtude. Sem virtude, ele é o mais ímpio
        sem lar. Porque ele é ávido de combates, e, como as aves    e o mais feroz de todos os seres vivos; nada mais sabe,
        de rapina, incapaz de se submeter a qualquer obediência.    por sua vergonha, que amar e comer. A justiça é a base
                                                                    da sociedade.
               Claramente se compreende a razão de ser o homem
        um animal sociável em grau mais elevado que as abelhas             Chama-se julgamento a aplicação do que é justo.”
        e todos os outros animais que vivem reunidos. A natureza,
        dizemos, nada faz em vão. O homem só, entre todos os                    ARISTÓTELES. A política. 2. ed. Bauru: Edipro, 2009. p. 15-17.

    Veja respostas e orientações  ATIVIDADES
       no Manual do Professor.

        COMPREENDER                                                     antes do indivíduo e da família? Você concorda com essa
    1.	 Segundo Aristóteles, qual é a finalidade da cidade? Por         teoria? Debata o assunto com alguns colegas e, em se-
                                                                        guida, escreva suas conclusões em um breve parágrafo.
        que esse fim é natural?
    2.	 De acordo com o texto, o que distingue o ser humano             RETOMAR
                                                                    4.	 Responda às questões-chave do início do capítulo
        dos outros animais que vivem em sociedade?
                                                                        a)	O que é conhecimento científico para Aristóteles?
        ANALISAR                                                        b)	O que é ética e política para esse pensador?
    3.	 Por que, para Aristóteles, a cidade ou o Estado colocam-se

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