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Trocas alimentares entre a África e a América O COMÉRCIO NO ATLÂNTICO SUL ALLMAPS
(SÉCULOS XVII-XVIII)
O mapa representa o comércio bilateral entre a
África e a América do Sul nos séculos XVII e XVIII. Os 0°
africanos escravizados eram o eixo que aglutinava o
comércio no Atlântico Sul. Mas vários outros pro- Cabo Verde
dutos alimentavam essa ampla rede mercantil que
tinha os cativos como “bem” mais valioso. O fumo e Cacheu
a cachaça, produzidos na América portuguesa, eram Trato da Alta Guiné Bissau
utilizados para o escambo de escravizados nos por- COSTA
tos africanos. A farinha de mandioca, o milho e a DA MINA
batata-doce, cultivados na América, e a banana, cul-
tivada na África, serviam de alimentação aos negros Equador Trato da Costa da Mina São Tomé 0°
e soldados no tráfico terrestre e nas longas viagens REINO DO
em direção à América. Hoje, a mandioca e o milho Belém São Luís LOANGO
são cultivados em várias partes da África, enquanto Luanda
a banana africana se transformou em uma das frutas Recife Trato de Angola
mais consumidas no Brasil. Salvador Benguela
Rio de OCEANO Meridiano de Greenwich
Trópico de Capricórnio Janeiro ATLÂNTICO
N
Santos
Colônia to do Prata OL
Buenos Aires Tra
S
0 1475 km
Fonte: ALENCASTRO, Luiz Felipe de. O trato dos viventes: formação
do Brasil no Atlântico Sul – séculos XVI e XVII. São Paulo:
Companhia das Letras, 2000. p. 250.
Professor, a expressão “segredos internos” é uma referência
↻ O funcionamento do engenho colonial à obra Segredos internos: engenhos e escravos na socieda-
de colonial – 1550-1835, de Stuart B. Schwartz. São Paulo:
Companhia das Letras, 1988.
Agora vamos conhecer mais de perto o mundo dos do capital investido na montagem de um engenho.
engenhos, seus “segredos internos”. Quando falamos As caldeiras de ferro e cobre demandavam reparos
engenho, estamos nos referindo a todo o complexo constantes. A fornalha, que ficava embaixo das cal-
produtivo, que incluía a moenda, as caldeiras, a casa de deiras, consumia um grande volume de lenha.
purgar, os canaviais, a área de pastagem dos bois (im- Na etapa seguinte, o líquido engrossado (mela-
portante fonte de alimento e de energia dos moinhos), ço) era retirado das caldeiras e despejado em gran-
a casa-grande, os escravizados e seus alojamentos etc. des fôrmas de argila, que eram levadas em seguida
De maneira geral, o corte de cana tinha início às casas de purgar. Sobre as fôrmas, colocava-se
entre os meses de julho e agosto e se estendia até periodicamente mais argila umedecida. Passado um
maio do ano seguinte. Os moinhos de onde se extraía tempo, a água dessa argila era filtrada pelas fôrmas
o sumo da cana acompanhavam esse ciclo. Assim, o de açúcar cristalizado, que então se livrava das im-
período de funcionamento de um engenho, mesmo purezas que ainda restavam, obtendo-se o tipo de
descontados os vários dias de interrupção de suas açúcar mais valorizado no comércio: o açúcar branco.
atividades em razão dos feriados religiosos e dos Por último, depois de recolhido o dízimo devido
momentos de escassez de matérias-primas (cana, à Igreja, o produto era empacotado em grandes cai-
madeira etc.), podia superar dois terços do ano. xas de madeira, nas quais se registravam o peso, a
qualidade e a procedência do açúcar, e transportado
↪ As etapas da produção do açúcar até o porto mais próximo. JOSÉ ROSAEL/HÉLIO NOBRE/MUSEU PAULISTA DA USP
Nas lavouras, os cativos (além de homens livres
pobres) plantavam a cana manualmente, já que o
arado era pouco utilizado nos canaviais da América
portuguesa. Feito o plantio, grupos de escravizados
se revezavam na limpeza dos pés de cana, em que
se acumulavam ervas daninhas. Chegado o período
ideal da colheita, os homens ficavam encarregados
do corte da cana, enquanto as mulheres encarrega-
vam-se de juntá-la em feixes, que então podiam ser
transportados até as moendas por meio de carros
de boi ou em barcos.
Os engenhos podiam ser movidos a tração ani-
mal ou pela força da água. O sumo extraído na moa-
gem era então transferido até as caldeiras, onde era
cozido até formar um caldo grosso, o melaço. Os
utensílios e as matérias-primas necessários ao co- ↑ Moagem da Fazenda Cachoeira, pintura de Benedito Calixto, [s. d.].
zimento representavam uma quantidade significativa
O melaço remanescente podia ser reprocessado para a produção de açúcar de qualidade inferior (mascavo) ou destilado e transformado em cachaça. A
produção dessa bebida alcoólica foi importantíssima para a manutenção do circuito comercial África-América portuguesa, uma vez que funcionou como
meio de troca no comércio de africanos escravizados. CAPÍTULO 10: OS PORTUGUESES NO BRASIL 129