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A partir do romance improvável entre o indígena    e intelectuais consideravam belo e ideal do ponto de                 COLEÇÃO HECILDA E SERGIO FADEL, RIO DE JANEIRO, RJ. FOTO: ROMULO FIALDINI
Peri e a jovem de origem lusitana Cecília, Alencar       vista artístico. Em 1917, a exposição de Anita Malfatti
criou um retrato da sociedade brasileira colonial, da    (1889-1964) revelou ao público o talento da jovem pin-
natureza e dos elementos necessários para a com-         tora, bem como a influência das vanguardas artísticas
posição da identidade nacional. Peri é representado      da Alemanha e dos Estados Unidos em sua formação.
na obra como um herói, dotado de bondade, inocên-
cia e extremamente devotado a Cecília, mas, para               A exposição de Anita Malfatti é considerada o
concretizar seu amor, ele precisa enfrentar inúmeras     ensaio preparatório para o evento fundador da arte
intempéries e vilões. Após a superação das adver-        moderna brasileira: a Semana de Arte Moderna de
sidades, Peri se converte ao cristianismo, abandona      1922. Realizada no Theatro Municipal de São Paulo
sua língua, sua religião e seu povo. É em nome do        entre 11 e 18 de fevereiro de 1922, como parte das
amor que ele se transforma em um novo homem,             comemorações do centenário da independência, a
pronto para viver em um novo mundo.                      Semana de Arte Moderna reuniu representantes das
                                                         artes visuais, como Anita Malfatti e Victor Brecheret
      Como afirma o linguista José Luiz Fiorin (1947-),  (1894-1955), poetas e escritores, como Oswald de
a história de Peri e Cecília é um importante referen-    Andrade (1890-1954), Mário de Andrade (1893-1945),
cial para a construção de um mito de origem para         Menotti Del Picchia (1892-1988) e Manuel Bandeira
a nação brasileira: é a partir do contato, da relação    (1886-1968), e músicos, como Heitor Villa-Lobos
afetiva, da assimilação, da troca e da união entre       (1887-1959) e Guiomar Novaes (1894-1979), entre
natureza e cultura que são erigidas as bases de nos-     vários outros nomes.
sa história e de nossa sociedade. Para Alencar, é da
fusão afetiva entre a civilização, representada pelo           Durante o evento, foi exposta a nova estética
português, e a natureza, dada pelo indígena, que a       que o movimento modernista pretendia introduzir
nação brasileira foi fundamentada.                       no Brasil, adequada ao mundo moderno, urbano e
                                                         industrial. A produção cultural brasileira deveria va-
      Outra obra de José de Alencar produzida na         lorizar o cotidiano e a linguagem coloquial e celebrar
tentativa de construir a identidade nacional brasi-      as novidades daquele tempo: o cinema, o automóvel,
leira a partir de um passado mítico é Iracema, pu-       os fios elétricos, o aeroplano, a velocidade da vida
blicada em 1865. O indígena é novamente escolhido        urbana, enfim, os objetos, as cores, os ritmos e os
como símbolo da origem do povo brasileiro, mas           sons da modernidade. Abria-se a possibilidade de
não é o indígena real, e sim a imagem construída         superação da métrica, do rigor e das rimas da poe-
dele no ideário romântico europeu. Da união entre        sia parnasiana, bem como dos padrões técnicos e
a bela Iracema e o português Martim nasce Moacir,        estéticos da arte acadêmica.
símbolo da origem nobre e formosa da nacionalidade
brasileira.                                                    Mário de Andrade, Oswald de Andrade e Tarsila
                                                         do Amaral (1886-1973), os principais representantes
	↪	 O Brasil moderno: quem                               do movimento, concluíram que apenas valorizando
    somos nós?                                           as raízes e os temas nacionais o Brasil seria capaz
                                                         de produzir uma arte de exportação e ser conside-
      A proximidade do centenário da independência       rado moderno.
despertou, no meio intelectual, um grande interes-
se em investigar a história, a geografia e a cultura     ↑ Morro da favela, pintura de Tarsila do Amaral, 1924. Nessa tela, a
brasileiras. Pensadores, escritores e jornalistas de-    artista valoriza temas da vida urbana brasileira, como as favelas e a
bruçaram-se sobre a tarefa de refletir sobre o perfil    população negra, por meio da representação estilizada das figuras
do Brasil, empenhados em mapear os elementos             humanas, dos animais, das casas e das plantas. Percebe-se também
que lhe garantiam uma identidade nacional própria,       o abandono da perspectiva e a liberdade no uso das cores.
tornando-o diferente das demais nações. O deba-
te sobre o que era ou o que deveria ser a nação
brasileira inspirou a produção de importantes obras
acadêmicas e literárias, revelando o papel de desta-
que que teve a literatura no esforço intelectual de
garantir ao Brasil um lugar na modernidade.

      Foi nesse contexto de preocupação com as
questões nacionais, de deslumbramento com as
novidades do mundo moderno e de criação de uma
arte que acompanhasse os novos tempos que se
iniciou o movimento modernista, uma proposta de
renovação e de atualização da arte brasileira.

      Na década de 1910, já havia, na capital paulista,
sinais de uma efervescência cultural que anuncia-
vam uma importante mudança naquilo que artistas

62 UNIDADE 2: O MUNDO EM MOVIMENTO
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