Page 69 - PNLD 2026 - SOCIOLOGIA
P. 69

DOC. 1                                                                             DOC. 2

Jeca Tatu, preconceito e identidade                                                A pátria de chuteiras

nacional                                                                                      “O povo já não se julga mais um vira-lata. Sim, ami-
                                                                                       gos: — o brasileiro tem de si mesmo uma nova imagem. Ele
          “Caricatura do caipira brasileiro, o Jeca é um dos                           já se vê na generosa totalidade de suas imensas virtudes
   mais conhecidos personagens de nossa cultura. De caboclo                            pessoais e humanas. [...]
   preguiçoso, parasita e indolente à vítima da doença, a
   trajetória do matuto desenvolvido por [Monteiro] Lobato                                    E a quem devemos tanto? [...] Graças aos 22 joga-
   está relacionada ao papel conferido às políticas de saúde                           dores, que formaram a maior equipe de futebol da Terra,
   pública e de educação no desenvolvimento econômico e                                em todos os tempos, graças a esses jogadores, dizia eu, o
   social do país. Trata-se de uma das mais fortes represen-                           Brasil descobriu-se a si mesmo. [...]
   tações sociais de nossa identidade, em que se articula o
   retrato pobre, ignorante e doente da sociedade [...].                                      Vejam como tudo mudou. A vitória passará a influir
                                                                                       em todas as nossas relações com o mundo. Eu pergunto:
          Quase todos os pensadores do período, que podemos                            — que éramos nós? Uns humildes. O brasileiro fazia-me
   datar entre 1870 e 1930, pelo menos em algum momento                                lembrar aquele personagem de Dickens que vivia batendo
   de suas vidas, pensaram a miscigenação racial como um                               no peito: — ‘Eu sou humilde! [...]’.
   problema a ser solucionado. [...]
                                                                                              Mas vem a deslumbrante vitória do escrete, e o bra-
          Ao criar o Jeca Tatu, um provável modelo do ho-                              sileiro já trata a namorada, a mulher, os credores de outra
   mem do campo, Lobato estava, ao menos, de acordo com                                maneira; reage diante do mundo com um potente, um
   o pensamento social dominante na passagem do século                                 irresistível élan vital. E vou mais além: — diziam, de nós,
   XIX para o século XX. Esse pensamento adotava as teorias                            que éramos a flor de três raças tristes. A partir do título
   científicas surgidas na Europa para pensar a identidade                             mundial, começamos a achar que a nossa tristeza é uma
   cultural brasileira. Para tais ideias cientificistas, o clima, a                    piada fracassada. Afirmava-se também que éramos feios.
   localização geográfica e a raça determinavam a evolução                             Mentira! Ou, pelo menos, o triunfo embelezou-nos. [...]
   e a hierarquia das sociedades humanas.
                                                                                              Amigos, na Suécia [...] roubaram a gente, bifaram
          Neste momento, Lobato denunciava uma determi-                                os nossos gols, a nossa camisa. Mas tudo inútil, porque o
   nada corrente de interpretação dos elementos nacionais,                             Brasil apresentou o maior escrete do universo, segundo
   denominada por ele de ‘caboclismo’, e atribuía ao Jeca,                             os mais exigentes críticos do mundo. Por fim, a lição do
   espécie degenerada em sua origem mestiça e adaptada                                 meu personagem. Ele ensinou que o brasileiro é, sim, quer
   ao ambiente natural, a responsabilidade por todos os                                queiram quer não, ‘o maior’.”
   problemas do universo rural. [...]
                                                                                         RODRIGUES, Nelson. “É chato ser brasileiro” – crônica (atualíssima) de
          [...] Lobato estava inserido em seu tempo, produ-                            Nelson Rodrigues. Revista Pazes, 2 jul. 2018. Disponível em: https://www.
   zindo e veiculando ideias que, naquele momento, eram
   expressões de um ‘racismo à brasileira’.”                                               revistapazes.com/16518-2/#goog_rewarded. Acesso em: 22 jul. 2024.

  SANTOS, Ricardo A. Lobato, os jecas e a questão racial no pensamento             Élan: entusiasmo; disposição.
      social brasileiro. Portal Geledés, 29 out. 2010. Disponível em: https://
     www.geledes.org.br/lobato-os-jecas-e-questao-racial-pensamento-               Escrete: seleção; grupo de atletas.
                                     social-brasileiro/. Acesso em: 22 jul. 2024.

Veja respostas e orientações  ATIVIDADES
   no Manual do Professor.

    COMPREENDER                                                                    5.	 Qual é o significado atribuído por Nelson Rodrigues
                                                                                       à vitória da seleção brasileira na Copa do Mundo de
 DOC. 1                                                                                Futebol de 1958?

1.	 Segundo o texto, como Jeca Tatu é representado na                              6.	 Como o futebol contribuiu para a construção da iden-
    obra de Monteiro Lobato?                                                           tidade nacional brasileira?

2.	 Segundo o autor, como as teorias raciais, muito em                                 RETOMAR
    voga nas primeiras décadas do século XX no Brasil,
    influenciaram o escritor Monteiro Lobato?                                      7.	 Responda às questões-chave do início do capítulo.
                                                                                       a)	O que é identidade nacional?
3.	 O que é o “racismo à brasileira” ao qual o autor se refere?                        b)	Que elementos participaram da construção da identi-
                                                                                           dade nacional brasileira?
 DOC. 2                                                                                c)	O que nos faz ser brasileiros?

4.	 Em sua opinião, o que o autor quis dizer com a expressão
    "vira-lata" ao se referir ao povo brasileiro?

                                                                                                                                                                  67
   64   65   66   67   68   69   70   71   72   73   74