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com o Concílio de Latrão. [...] Não ensine ou aborde durante a que as correntes filosóficas eram manifestações LEEMAGE/CORBIS VIA GETTY IMAGES - MUSEU DO PALÁCIO DE VERSALHES
aula, sem uma grande seleção, os intérpretes de Aristóteles que parciais do espírito e que, para além dos limites do
não mereciam o bem da religião cristã [...]. Pelo contrário, fale de mundo, havia um Deus, que criou a humanidade.
São Tomás de Aquino apenas de maneira honrosa, seguindo-o
com satisfação sempre que apropriado, ou deixando-o com Dessa forma, a adjetivação “espiritualista” ex-
reverência e consideração, nas ocasiões em que não convém.” pressa esse entendimento de que a filosofia é de-
senvolvida por meio da análise interior da consciên-
RATIO Studiorum Oficial, 1599. Disponível em: https://www.academia. cia, pois esta é a ferramenta principal na busca da
edu/31204922/Compa%C3%B1%C3%ADa_de_Jes%C3%BAs_1599_Ratio_ verdade. É dessa maneira que a filosofia de Cousin
visaria o verdadeiro, belo e bom.
Studiorum_Oficial. Acesso em: 4 set. 2024. p. 65. (tradução nossa)
↑ Retrato de Victor Cousin, pintura de Louis Claude Mouchot, século
A filosofia era uma disciplina importante na for- XIX. O filósofo francês foi uma importante referência para o ecletismo
mação. No entanto, deveria estar subordinada aos espiritualista na Europa e no Brasil.
propósitos da Companhia de Jesus: a evangeliza-
ção, a conversão à fé católica e a disseminação do O caso brasileiro
catolicismo.
No Brasil, o ecletismo de Cousin se manifestou,
O pensamento filosófico dos religiosos do iní- em grande parte, nas lições do político e filósofo por-
cio do século XVI estava a serviço da propagação tuguês Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846) e nas
do catolicismo, buscando reavivar a fé católica, obras e nos sermões do frade franciscano e teólogo
que enfrentava um momento crítico com o avanço brasileiro Francisco do Monte Alverne (1784-1858). Para
do protestantismo, e converter novos povos pelo Alverne, a tarefa da filosofia era promover a reflexão
mundo. Esse propósito motivava os religiosos que no indivíduo, possibilitando o entendimento e a liber-
desembarcaram na América portuguesa. A educação dade espiritual de escolha.
jesuíta orientou-se pela sistematização escolástica
da filosofia aristotélica. O ensino de filosofia se res- “Segundo Alverne, ‘o entendimento propõe à vontade
tringia, principalmente, aos estudos e comentários o objeto bom ou não, mas não obriga, antes a deixa em sua
das obras de Aristóteles e de Tomás de Aquino. liberdade, para que abrace ou rejeite o objeto que lhe é pré‑
-posto: essa indiferença da vontade é a raiz da liberdade’.
Podemos estabelecer um paralelo entre o con- Livre para escolher quais caminhos tomar, o homem era
texto do século XVI e os primeiros séculos da era guiado [...] pelos sinais que recebia do mundo externo.”
cristã, mais especialmente os séculos I e II. Durante
o início da filosofia cristã, os padres utilizavam con- DURAN, Maria Renata da Cruz. Ecletismo e retórica na filosofia
ceitos e concepções filosóficas para reafirmar o brasileira: de Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846) ao frei
cristianismo, formular um sistema doutrinal e de-
fendê-lo das perseguições do Estado romano. Francisco do Monte Alverne (1784-1858). Guarulhos: Almanack,
n. 9, abr. 2015. p. 126. Disponível em: https://www.scielo.br/j/alm/a/
↪ O ecletismo espiritualista
Cc8JtHPb8wWx78rf4YYTLPf/. Acesso em: 25 set. 2024.
Pode-se dizer que, em alguma medida, o ecle-
tismo espiritualista assimilado por Portugal desem- A filosofia seria importante para o ser humano
penhou, nesse país e, posteriormente, no Brasil, um entender os sinais externos, mas ele teria a liber-
papel de transição da filosofia desenvolvida até en- dade de discernir sobre esses sinais. De qualquer
tão pela Companhia de Jesus para a filosofia mo- maneira, tal formulação evidencia a importância da
derna. A partir do fim do século XVII e durante o percepção no pensamento de Alverne e sua rela-
século XVIII, o aristotelismo, seu sistema metafísico ção com o entendimento. Aparentemente, o teólogo
e sua filosofia natural de explicação do mundo pas- buscava conciliar o racionalismo de Descartes com
saram a ser questionados de maneira muito vigoro- o empirismo de Locke.
sa. Ele foi afetado pelo desenvolvimento da ciência
moderna e de seu respectivo método experimental.
De acordo com o ecletismo, a verdade absoluta
não se encontrava em nenhuma filosofia. Era preciso
exercer a liberdade para escolher os melhores con-
ceitos de cada corrente ou pensamento filosófico.
Por esse motivo, buscava conciliar aspectos de teo-
rias e filosofias diferentes, como as de Aristóteles,
Descartes e Newton. Esse seria o caminho mais in-
dicado para se chegar à verdade.
A escola eclética teve como importante refe-
rencial o filósofo francês Victor Cousin (1792-1867),
que acreditava que a base da filosofia estava na
harmonização de um conjunto de correntes filosófi-
cas, como o racionalismo cartesiano, o empirismo, o
idealismo e a filosofia do senso comum. Ele defendia
124 UNIDADE 2: O MUNDO EM MOVIMENTO