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Na visão fragmentária que predomina na sociedade atual, a natureza é
                                     concebida como reserva para interesses humanos. Assim, o rio é uma reserva
                                     de peixe e de geração de energia, enquanto a montanha, uma reserva de ri-
                                     queza natural. A visão que nos divorcia da natureza destitui os sentidos mais
                                     profundos que a tradição estabeleceu com a terra, substituindo-os por uma
                                     visão utilitária das coisas. O pensador, escritor e líder indígena Ailton Krenak
                                     sintetizou bem a perda de sentido imposta pela lógica do homem branco, seus
                                     interesses econômicos e sua ciência.

                                                “Nosso tempo é especialista em criar ausências: do sentido de viver em sociedade, do próprio
                                         sentido da experiência da vida. Isso gera uma intolerância muito grande com relação a quem ainda
                                         é capaz de experimentar o prazer de estar vivo, de dançar, de cantar. E está cheio de pequenas
                                         constelações de gente espalhada pelo mundo que dança, canta, faz chover. O tipo de humanidade
                                         zumbi que estamos sendo convocados a integrar não tolera tanto prazer, tanta fruição de vida.”

                                                         KRENAK, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2019. p. 26-27.

                                           Por que nós, os civilizados, somos especialistas em criar ausências? Ao
                                     reduzir tudo a uma única dimensão, a da utilidade das coisas, empobrecemos
                                     profundamente nosso modo de existir. Em decorrência disso, não toleramos os
                                     modos diferentes de ser ou de estar no mundo, principalmente os que geram
                                     prazer e fruição de vida. Essas diferentes maneiras de entender a realidade, de
                                     vivenciar a natureza e de dar sentido à vida já estavam presentes no primeiro
                                     encontro entre os portugueses e os indígenas na terra que, posteriormente,
                                     foi chamada de Brasil. DOC. 2

                                           Movido pelos interesses comercial e evangelizador, o projeto colonial e
                                     modernizador foi também o projeto do apagamento de qualquer outra possi-
                                     bilidade de existência alternativa. Quem resiste, como os poucos indígenas que
                                     sobrevivem no Brasil, está à margem do mundo. Mas sua existência povoada
                                     de sentidos ainda nos faz lembrar que existem outros modos de ser e de estar
                                     para além do modo do “povo da mercadoria”.

                                                “Esse chamado para o seio da civilização sempre foi justificado pela noção de que existe
                                         um jeito de estar aqui na Terra, uma certa verdade, ou uma concepção de verdade, que guiou
                                         muitas das escolhas feitas em diferentes períodos da história.”

                                                              KRENAK, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2019. p. 11.

Veja respostas e orientações         Povos da megadiversidade
   no Manual do Professor.
                                           A antropóloga Manuela Carneiro da Cunha mostra como os povos indígenas
                                     têm uma produção agrícola diversa; ao mesmo tempo, aponta que essa diver-
                                     sidade foi reduzida depois do programa da Revolução Verde dos pós-guerra,
                                     que visava aumentar o volume agrícola por meio da tecnologia. Esse aumento,
                                     contudo, causou perda maciça de variedades agrícolas.

                                     •	 Leia o texto e responda às perguntas.

                                                “[...] Povos indígenas e comunidades tradicionais também mantêm por conta própria,
                                         por gosto e tradição, as variedades em cultivo e observam as novidades. É por isso que no Alto
                                         Rio Negro há mais de 100 variedades de mandioca; nos caiapós, 56 variedades de batata-doce;
                                         nos canelas, 52 de favas; nos kawaiwetes, 27 de amendoim; nos wajãpis, 17 de algodão; nos
                                         baniuas, 78 de pimenta – sem falar na diversidade de espécies em cada roçado e quintal. Para
                                         os caiapós, bonito é um roçado com muita diversidade, pois os povos indígenas são mais do
                                         que selecionadores de variedades de uma mesma espécie. Eles são, de fato, colecionadores.
                                         [...] A quem pergunta o que produzem os povos indígenas, pode-se responder que eles são e
                                         produzem justamente a diversidade. De graça. [...]”

                                          CUNHA, Manuela Carneiro da. Povos da megadiversidade. Piauí, n. 148, 13 jan. 2019. Disponível em: https://acervo.
                                         socioambiental.org/acervo/noticias/povos-da-megadiversidade-o-que-mudou-na-politica-indigenista-no-ultimo-

                                                                                                                                  meio-seculo/. Acesso em: 4 set. 2024.

                                     1.	 Baseando-se no texto, como a antropóloga Manuela Carneiro demonstra a diversidade
                                         na produção agrícola indígena?

                                     2.	 Você considera que a forma de produção de povos indígenas pode ser uma alternativa
                                         importante para promover a diversidade agrícola? Explique sua posição.

122 UNIDADE 2: O MUNDO EM MOVIMENTO
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