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↻	A filosofia no período imperial                         nossa mentalidade e em nossas instituições após                          ROGER VIOLLET COLLECTION/GETTY IMAGES - IGREJA DE JESUS, ROMA
                                                          a Proclamação da República. Em certa medida, po-
      O início da filosofia no Brasil ocorre a partir da  de-se dizer que seus resquícios ainda são notados
chegada e do estabelecimento dos portugueses no           atualmente.
território. Quando falamos em “início”, a referência
utilizada aqui é a filosofia ocidental, que se desen-           No período colonial, predominou a filosofia dos
volveu na Grécia antiga e, posteriormente, se espa-       jesuítas, que contemplava os objetivos educacionais
lhou pelo mundo ocidental. Isso porque o conheci-         e evangelizadores da Companhia de Jesus. Já na
mento dos nativos indígenas, sua forma de ver e de        época do império, três grandes matrizes do pensa-
estar no mundo, como vimos, não se relacionava            mento filosófico foram replicadas da Europa e adap-
com o modelo europeu.                                     tadas à realidade daquilo que se constituiria como
                                                          Brasil: o ecletismo espiritualista, o evolucionismo
      Para os povos indígenas, o mito era o elemento      e o positivismo. Vamos analisar, com base nesses
central de seu pensamento. A razão não exercia ne-        contextos históricos, como isso ocorreu.
nhum privilégio sobre as demais formas de conheci-
mento. Já no pensamento grego, o lugar central era        ↑ Papa Paulo III recebendo de Santo Inácio o código dos jesuítas,
ocupado pelo logos e, mais especificamente, pela          pintura do século XVII, de autoria desconhecida. Santo Inácio de Loyola
razão analítica. Enquanto o indígena incluía-se em        fundou em 1534 a Companhia de Jesus, instituição responsável pelo
uma totalidade, na qual não há privilégio da razão        ensino no Brasil durante mais de dois séculos.
sobre as demais formas de conhecimento, os pen-
sadores da Grécia tinham justamente a razão como          	↪	 Os soldados de Cristo
prerrogativa para explicar tudo o que ocorre.
                                                                As escolas da Companhia de Jesus, cujos pri-
      É importante frisar, entretanto, que essa dife-     meiros religiosos chegaram ao Brasil em 1549, foram
renciação entre o pensamento indígena e o pensa-          responsáveis pelo ensino na colônia até o século
mento grego não indica que o indígena era irracional,     XVIII. Em 1599, foi promulgado o documento que re-
como sustentavam alguns dos relatos dos primeiros         gulava os principais procedimentos a serem seguidos
viajantes europeus, muito menos serve como justi-         pelos professores, bem como o método pedagógico,
ficativa para a escravização indígena pelos colonos,      denominado Ratio Studiorum.
com base na ideia de que os nativos estariam mais
próximos dos animais, não havendo pensamento                         “Como as artes ou ciências naturais têm os entendimentos
profundo entre eles. Essa distinção apenas evidencia          para a teologia e servem para o perfeito conhecimento e uso
que os povos indígenas tinham uma forma diversa               dela, e por si mesmas ajudam no mesmo fim: o professor, com
de fruir e de entender a vida, a natureza e as pes-           a devida diligência, buscando sinceramente honra e glória em
soas e que não se encaixava na chamada “filosofia             tudo de Deus, trate-os de uma forma que prepare os seus ouvin‑
ocidental”.                                                   tes, e especialmente os nossos, para a teologia e, sobretudo, os
                                                              estimule ao conhecimento do seu Criador. [...] Em assuntos de
      Há um debate antigo e ainda não finalizado so-          alguma importância, não se afaste de Aristóteles, a menos que
bre a pertinência de falarmos sobre uma filosofia             contradiga a doutrina que as academias em toda parte aprovam;
própria no Brasil: afinal, haveria uma filosofia bra-         e muito mais se for repugnante à fé correta; e se houver algo
sileira? Os que defendem sua existência apoiam-se             contra isso dele ou de outro filósofo, tente refutá-lo de acordo
na ideia de que toda filosofia está relacionada à
existência humana e que ela ocorre de maneira con-
creta em tempos e lugares determinados. Portanto,
o pensamento propriamente brasileiro existe, mas
a reflexão sobre ele ainda precisa ser esclarecida.

      Os que negam a existência de uma filosofia no
Brasil alegam que se fez e se reproduz aqui a feno-
menologia, o existencialismo, o positivismo, o mar-
xismo, entre outros, mas apenas como divulgação.
Não haveria, portanto, um pensamento filosófico
original e sistemático, mas apenas a manifestação
ou a adaptação do que veio de fora, mais especifi-
camente da filosofia europeia ou ocidental.

      Deixando de lado a discussão sobre a origi-
nalidade ou não do pensamento filosófico brasi-
leiro, é certo, porém, que seu início está marcado
de duas maneiras. De um lado, pelas concepções
europeias. De outro, pelo passado patriarcal agrá-
rio e escravocrata colonial, que, como afirmou o
pensador brasileiro Gilberto Freyre, permaneceu em

                                                          CAPÍTULO 11: FILOSOFIA BRASILEIRA: SABERES E PENSAMENTOS 123
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