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Colombo e outros viajantes julgaram que as terras americanas fossem o
Paraíso. Criaram narrativas que misturavam ideias e fantasias de teólogos da
Idade Média. O anseio, transmitido de geração em geração, de uma vida terrestre
idilicamente harmoniosa, a realidade física da natureza americana (como o clima
e a diversidade de plantas e espécies) e os traços culturais dos povos indígenas
contribuíam para criar um imaginário que representava a Terra como realização
dos desígnios do Criador. Esse imaginário, entretanto, começara a ser construído
muitos séculos antes da chegada ao Novo Mundo.
As crônicas dos viajantes do século XVI sobre a América estavam repletas des-
se imaginário e descreviam os nativos de maneira contraditória. Ao mesmo tempo
que exaltavam seus corpos e sua beleza, estranhavam seus costumes e modos
de ser. Nessas narrativas, os conquistadores e, depois, os colonos portugueses
viam os povos originários da Terra de Santa Cruz (Brasil) como seres dotados de
uma humanidade diferente ou inferior, que precisavam ser civilizados ou salvos de
sua condição. Que condição seria essa? Seu jeito de estar no mundo. Cabia aos
portugueses educarem os indígenas, levando-os a assimilar os ideais da civilização
europeia. Assim, os povos originários do território que seria posteriormente chamado
de Brasil foram destituídos de suas características e de sua identidade.
REPRODUÇÃO/MUSEU DO PRADO, MADRI, ESPANHA
↑ O jardim das delícias terrenas, pintura do artista holandês Hieronymus Bosch, 1504, é um tríptico que
expressa o imaginário do artista e de sua época sobre a história do mundo: a criação, o paraíso terrestre e o
inferno. Muitas narrativas são construídas mesclando símbolos da utopia, da religião e da realidade terrena.
Já na carta de 1500 ao rei Dom Manuel, Pero Vaz de Caminha ressaltou a
nudez dos indígenas. Acreditava que os nativos eram destituídos de vergonha
e que eram marcados pela pureza e pela inocência. Por esse motivo, defendia
que a salvação deles era o melhor fruto da semente que o rei deveria lançar
sobre a nova terra. Antecipava, assim, o que seria a colonização brasileira: um
empreendimento econômico e evangelizador.
Imposição do imaginário português
A descrição de Caminha de seu primeiro encontro com os nativos é fruto de
seu imaginário – como se seus olhos procurassem confirmar o que ele já sabia.
Para manter a validade de ideias preconcebidas, Caminha muitas vezes negava
a realidade. Chegou a afirmar que os “gentios”, no caso, os Tupinambá, nada
cultivavam, quando se sabe que diferentes povos indígenas no Brasil produziam
vários produtos, com destaque para a mandioca, que era o principal alimento.
O escrivão português também dizia que os nativos não tinham crença al-
guma, quando, na verdade, o modo de ser dos indígenas baseava-se na relação
indissociável entre ser humano, natureza e sagrado. Além disso, não dava a
devida importância às técnicas agrícolas, artesanais e de caça, entre outros
conhecimentos indígenas. Caminha antecipava o que ficaria cada vez mais evi-
dente no processo de colonização: o abismo entre dois mundos.
CAPÍTULO 11: FILOSOFIA BRASILEIRA: SABERES E PENSAMENTOS 119