Page 161 - PNLD 2026 - FILOSOFIA
P. 161
REPRODUÇÃO/BIBLIOTECA HOUGHTON DA UNIVERSIDADE DE HARVARD ↪ Do particular das percepções ao universal da
ciência: o problema da indução
↑ Frontispício da obra Diálogo
sobre os dois principais sistemas A percepção – experiência sensível – sempre é a experiência de casos par-
ticulares. Em determinado momento, observamos um grupo de pessoas. Em
do mundo, de Galileu Galilei, outro, vemos uma rosa branca ou ouvimos uma música. Nossos órgãos dos sen-
publicado em 1641, em Leiden, tidos apreendem casos particulares, que só podem ser articulados na memória.
Holanda. O método proposto Por meio da ciência, no entanto, busca‑se a universalidade e pretende‑se obter
por Galileu pode ser chamado conclusões ou leis que tenham validade para um conjunto amplo de coisas ou
de indução experimental, pois é de seres investigados. Assim, em medicina não se pretendem estabelecer leis
utilizado para conceber uma lei que tenham validade só para um caso, mas para todos os seres humanos que
geral por meio da observação de sofram da mesma enfermidade, por exemplo. O mesmo é válido para qualquer
casos particulares. área científica. O conhecimento científico pretende ser universal.
É possível conciliar o caráter particular da experiência sensível com o ca-
ráter universal da ciência? Esse problema entre as percepções particulares ou
singulares e a generalização (ou universalização) das leis científicas é conheci-
do como problema da indução. Esse assunto foi acentuado pelas reflexões de
filósofos contemporâneos da ciência que puseram em dúvida a confiabilidade
no conhecimento científico fundamentado na experiência sensível.
Hume delimitou esse problema, sem utilizar o termo “indução” ou a ex-
pressão “problema de indução”. Retomemos seu pensamento, no momento em
que criticou o princípio da causalidade.
“Assim, não apenas nossa razão nos falha na descoberta da conexão última entre causas
e efeitos, mas após a experiência ter-nos informado de sua conjunção constante, é impossível
nos convencer, pela razão, de que deveríamos estender essa experiência para além dos casos
particulares que pudermos observar.”
HUME, David. Tratado da natureza humana: uma tentativa de introduzir o método experimental de raciocínio nos
assuntos morais. São Paulo: Editora Unesp/Imprensa Oficial do Estado, 2001. p. 120.
Do ponto de vista da razão ou da necessidade lógica, portanto, não há
justificativa para supor que o que acontece em um caso observado possa ser
generalizado para casos não observados.
↪ Raciocínio indutivo e dedutivo
Antes de estudarmos o problema da indução, para melhor compreendê-
‑lo, vamos abordar as diferenças entre dois tipos de raciocínio: o indutivo e o
dedutivo, retomando alguns conceitos abordados até aqui, sobretudo na seção
Aprender a argumentar.
Por meio do raciocínio indutivo, parte‑se de afirmações particulares para
chegar a uma conclusão universal – por exemplo, ao observarmos um gato,
notamos que ele tem uma cauda. Com base em outras observações sucessi-
vas, percebemos que os demais gatos também apresentam cauda. Depois de
observarmos vários casos particulares, concluímos por processo indutivo que
todos os gatos têm cauda.
O raciocínio dedutivo, por sua vez, é aquele no qual a conclusão é obtida por
meio de um conjunto de afirmações (premissas) – por exemplo: todo triângulo
tem três lados; isto que eu tenho na mão é um triângulo; isto tem três lados.
Repare que, no raciocínio dedutivo, as conclusões derivam das afirmações an-
teriores (premissas). Repare também que, se o raciocínio é válido, a conclusão
tem necessidade lógica de ser como é. Portanto, se dissermos que o triângulo
não tem três lados, estabeleceremos uma contradição.
Isso não acontece com o raciocínio indutivo. Nada garante que a genera-
lização realizada com base em afirmações particulares seja necessária, isto é,
que não possa ser diferente. O filósofo austro-britânico Karl Popper (1902-1994)
formulou o problema da indução da seguinte maneira.
“Podemos observar apenas determinados eventos e apenas um número limitado deles.
Entretanto, as ciências empíricas formulam proposições universais, por exemplo, as leis da
natureza; proposições estas que devem ser válidas para um número ilimitado de eventos.
Com que direito tais proposições podem ser formuladas? O que se quer dizer com tais
CAPÍTULO 13: EMPIRISMO: OS SENTIDOS E O CONHECIMENTO 159