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REPRODUÇÃO/BIBLIOTECA HOUGHTON DA UNIVERSIDADE DE HARVARD                                     		↪ Do particular das percepções ao universal da
                                                                                                  ciência: o problema da indução
                                                           ↑ Frontispício da obra Diálogo
                                                           sobre os dois principais sistemas        A percepção – experiência sensível – sempre é a experiência de casos par-
                                                                                              ticulares. Em determinado momento, observamos um grupo de pessoas. Em
                                                           do mundo, de Galileu Galilei,      outro, vemos uma rosa branca ou ouvimos uma música. Nossos órgãos dos sen-
                                                           publicado em 1641, em Leiden,      tidos apreendem casos particulares, que só podem ser articulados na memória.
                                                           Holanda. O método proposto         Por meio da ciência, no entanto, busca‑se a universalidade e pretende‑se obter
                                                           por Galileu pode ser chamado       conclusões ou leis que tenham validade para um conjunto amplo de coisas ou
                                                           de indução experimental, pois é    de seres investigados. Assim, em medicina não se pretendem estabelecer leis
                                                           utilizado para conceber uma lei    que tenham validade só para um caso, mas para todos os seres humanos que
                                                           geral por meio da observação de    sofram da mesma enfermidade, por exemplo. O mesmo é válido para qualquer
                                                           casos particulares.                área científica. O conhecimento científico pretende ser universal.

                                                                                                    É possível conciliar o caráter particular da experiência sensível com o ca-
                                                                                              ráter universal da ciência? Esse problema entre as percepções particulares ou
                                                                                              singulares e a generalização (ou universalização) das leis científicas é conheci-
                                                                                              do como problema da indução. Esse assunto foi acentuado pelas reflexões de
                                                                                              filósofos contemporâneos da ciência que puseram em dúvida a confiabilidade
                                                                                              no conhecimento científico fundamentado na experiência sensível.

                                                                                                    Hume delimitou esse problema, sem utilizar o termo “indução” ou a ex-
                                                                                              pressão “problema de indução”. Retomemos seu pensamento, no momento em
                                                                                              que criticou o princípio da causalidade.

                                                                                                         “Assim, não apenas nossa razão nos falha na descoberta da conexão última entre causas
                                                                                                  e efeitos, mas após a experiência ter-nos informado de sua conjunção constante, é impossível
                                                                                                  nos convencer, pela razão, de que deveríamos estender essa experiência para além dos casos
                                                                                                  particulares que pudermos observar.”

                                                                                                     HUME, David. Tratado da natureza humana: uma tentativa de introduzir o método experimental de raciocínio nos
                                                                                                                                        assuntos morais. São Paulo: Editora Unesp/Imprensa Oficial do Estado, 2001. p. 120.

                                                                                                    Do ponto de vista da razão ou da necessidade lógica, portanto, não há
                                                                                              justificativa para supor que o que acontece em um caso observado possa ser
                                                                                              generalizado para casos não observados.

                                                                                              		↪ Raciocínio indutivo e dedutivo

                                                                                                    Antes de estudarmos o problema da indução, para melhor compreendê-
                                                                                              ‑lo, vamos abordar as diferenças entre dois tipos de raciocínio: o indutivo e o
                                                                                              dedutivo, retomando alguns conceitos abordados até aqui, sobretudo na seção
                                                                                              Aprender a argumentar.

                                                                                                    Por meio do raciocínio indutivo, parte‑se de afirmações particulares para
                                                                                              chegar a uma conclusão universal – por exemplo, ao observarmos um gato,
                                                                                              notamos que ele tem uma cauda. Com base em outras observações sucessi-
                                                                                              vas, percebemos que os demais gatos também apresentam cauda. Depois de
                                                                                              observarmos vários casos particulares, concluímos por processo indutivo que
                                                                                              todos os gatos têm cauda.

                                                                                                    O raciocínio dedutivo, por sua vez, é aquele no qual a conclusão é obtida por
                                                                                              meio de um conjunto de afirmações (premissas) – por exemplo: todo triângulo
                                                                                              tem três lados; isto que eu tenho na mão é um triângulo; isto tem três lados.
                                                                                              Repare que, no raciocínio dedutivo, as conclusões derivam das afirmações an-
                                                                                              teriores (premissas). Repare também que, se o raciocínio é válido, a conclusão
                                                                                              tem necessidade lógica de ser como é. Portanto, se dissermos que o triângulo
                                                                                              não tem três lados, estabeleceremos uma contradição.

                                                                                                    Isso não acontece com o raciocínio indutivo. Nada garante que a genera-
                                                                                              lização realizada com base em afirmações particulares seja necessária, isto é,
                                                                                              que não possa ser diferente. O filósofo austro-britânico Karl Popper (1902-1994)
                                                                                              formulou o problema da indução da seguinte maneira.

                                                                                                         “Podemos observar apenas determinados eventos e apenas um número limitado deles.
                                                                                                  Entretanto, as ciências empíricas formulam proposições universais, por exemplo, as leis da
                                                                                                  natureza; proposições estas que devem ser válidas para um número ilimitado de eventos.
                                                                                                  Com que direito tais proposições podem ser formuladas? O que se quer dizer com tais

                                                                                              CAPÍTULO 13: EMPIRISMO: OS SENTIDOS E O CONHECIMENTO 159
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