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A objetividade da observação é um aspecto importante da ciência, pois REINALDO VIGNATTI
ela é considerada uma base segura por meio da qual se obtém conhecimento
verdadeiro e compartilhável. Muitos filósofos da ciência, porém, questionam a
objetividade da observação ou de nossas percepções.
O filósofo da ciência anglo-australiano Alan Francis Chalmers (1939-), em
seu livro O que é ciência afinal?, ao se contrapor à ideia de que o funcionamento
do olho humano seja similar ao de uma câmera fotográfica, utilizou um desenho
bidimensional que dá a impressão de um objeto tridimensional (veja a figura) a
fim de mostrar que as experiências visuais são influenciadas por diversos fatores
e não se reduzem a imagens sobre a retina.
↑ Ilustração bidimensional de escada com base no desenho reproduzido em: CHALMERS, Alan F. O que é
ciência afinal? São Paulo: Brasiliense, 1993. p. 39.
A escada da figura pode ser vista de duas maneiras: como uma escada cujo
degrau mais alto está à esquerda e o mais baixo está à direita ou como uma
escada de ponta-cabeça. Com o tempo, pode-se facilmente observar a escada
ora de um jeito, ora de outro, embora a imagem na retina não mude. Mas esse
tipo de percepção ou sensação não acontece em pessoas que não têm o hábito
de representar objetos tridimensionais por meio de desenhos bidimensionais,
como o da escada. Pessoas que não aprenderam noções de perspectiva veem
no desenho uma série de traços bidimensionais e não têm a ilusão tridimen-
sional. Foi o que se evidenciou em experimentos em algumas aldeias africanas
cujos membros não tinham noção de perspectiva. Para eles, a figura não era o
desenho de uma escada, mas um arranjo bidimensional de linhas.
Leia, a seguir, o que Chalmers escreveu sobre o tema.
“Dois observadores [...] vendo o mesmo objeto do mesmo lugar sob as mesmas circunstâncias
físicas não têm necessariamente experiências visuais idênticas, mesmo considerando‑se que
as imagens em suas respectivas retinas possam ser virtualmente idênticas. Há um importante
sentido no qual os dois observadores não ‘veem’ necessariamente a mesma coisa. [...]
O que um observador vê, isto é, a experiência visual que um observador tem ao ver um
objeto, depende em parte de sua experiência passada, de seu conhecimento e de suas expectativas.”
CHALMERS, Alan Francis. O que é ciência afinal? São Paulo: Brasiliense, 1993. p. 48‑49.
O fato de duas ou mais pessoas terem experiências visuais diferentes ao
observar o mesmo objeto e o fato de as experiências passadas, o conhecimento
e as perspectivas afetarem a percepção colocam em xeque a possibilidade de
uma objetividade absoluta nos processos perceptivos ou de observação, básicos
para a ciência.
158 UNIDADE 3:O MUNDO QUE CONHECEMOS