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Veja respostas e orientações
                                  no Manual do Professor.

                                                                 Leia o trecho de entrevista do cientista político José Álvaro Moisés sobre o papel das fake
                                                             news na atual crise da democracia parlamentar.

                                                                        “Agência FAPESP – Em que medida a deterioração da democracia se relaciona com a ma-
                                                                 nipulação das consciências por meio das mídias sociais e da instrumentalização das ‘fake news’”?

                                                                        Moisés – A política democrática depende muito da informação. Sem conhecimento real
                                                                 do que está acontecendo as pessoas não sabem que escolhas políticas podem fazer. A delegação
                                                                 de poder dos eleitores para o sistema democrático depende disso. Nesse contexto, a revolução
                                                                 tecnológica da comunicação empoderou as pessoas, mas o uso das redes sociais não tem con-
                                                                 trole, nem pode ter, e isso muitas vezes favorece a manipulação e a distorção das informações.
                                                                 A instrumentalização das fake news é parte desse processo. Como a censura não é um bom
                                                                 caminho, a solução envolve a capacidade de as forças democráticas oferecerem a contrapartida
                                                                 das informações falsas; isso exige um esforço hercúleo. Partidos e líderes democráticos precisam
                                                                 se preparar para isso, e esse é um momento importante para eles não se esquecerem de que a
                                                                 cidadania cívica demanda a educação para a democracia.”

                                                                                      ARANTES, José Tadeu. Agência Fapesp, 2020. Disponível em: https://agencia.fapesp.br/a-crise-da-
                                                                                                                                                     democracia/34536. Acesso em: 20 jun. 2024.

                                                             1.	 Por que, segundo Moisés, a prática das fake news é nociva à democracia?

                                                             2.	 Você concorda com a posição desse cientista político? O que se pode fazer?

                                                             3.	 Quais são as diferenças entre a democracia ateniense e a democracia moderna que fazem
                                                                 com que a mentira possa se tornar o instrumento político mais nefasto nos dias de hoje?

MUSEU ARQUEOLÓGICO DE OLÍMPIA                                		↪ A retórica e a verdade

↑ Máscara teatral grega                                            Na democracia ateniense, o domínio da palavra tinha muita importância. A
do século IV a.C. Segundo                                    habilidade de convencer os outros era algo decisivo para o cidadão ateniense.
Quintiliano (35-95 d.C.),                                    Os problemas relacionados à cidade-Estado eram discutidos em assembleias
professor de retórica                                        públicas e as decisões eram tomadas por meio de votação. Nesse contexto, era
romano, o orador deveria,                                    evidente a importância da argumentação, da capacidade de persuasão do cida-
à semelhança de um                                           dão. Por isso, muitos sofistas ensinavam retórica, que é a arte de bem utilizar
dramaturgo, cumprir o papel                                  a palavra para persuadir os ouvintes.
de ator e identificar-se com
os ouvintes, tornando-os                                           A retórica era um instrumento de poder, pois influenciava as importantes
espectadores de sua arte.                                    decisões que eram tomadas na cidade e, consequentemente, seu domínio abria
                                                             muitas perspectivas para o cidadão ateniense.

                                                                        “[...] a retórica, por assim dizer, abrange o conjunto das artes, que ela mantém sob sua
                                                                 autoridade. Vou apresentar uma prova eloquente disso mesmo. Por várias vezes fui com meu
                                                                 irmão ou com outros médicos à casa de doentes que se recusavam a ingerir remédios ou a
                                                                 deixar-se amputar ou cauterizar; e, não conseguindo o médico persuadi-los, eu o fazia com a
                                                                 ajuda exclusivamente da arte da retórica. Digo mais: se na cidade que quiseres, um médico e um
                                                                 orador se apresentarem a uma assembleia do povo ou a qualquer outra reunião para argumentar
                                                                 sobre qual dos dois deverá ser escolhido como médico, não contaria o médico com nenhuma
                                                                 probabilidade para ser eleito, vindo a sê-lo, se assim o desejasse, o que soubesse falar bem. [...]
                                                                 Tal é a natureza e a força da arte da retórica!”

                                                                    PLATÃO. Górgias. In: Protágoras, Górgias, Fedão. 2. ed. Belém: EDUFPA, 2002. p. 140-141. (Coleção Platão Diálogos).

                                                                   Como se pode ver na exposição do sofista Górgias reproduzida por Platão
                                                             em seu diálogo, a retórica era considerada a arte das artes. Por meio da palavra
                                                             bem utilizada, podia-se persuadir qualquer pessoa. Ela era um instrumento
                                                             poderoso em uma sociedade na qual os negócios importantes da pólis eram
                                                             decididos em assembleias.

                                                                   Tal defesa da retórica foi bastante criticada em diversos momentos por
                                                             Sócrates e Platão. Para eles, os sofistas falavam de coisas sobre as quais não
                                                             tinham conhecimento e convenciam os ignorantes. Por exemplo, quem realmente
                                                             tivesse conhecimento sobre medicina confiaria mais em um médico do que em
                                                             um hábil orador, capaz de iludir por palavras. Só os que ignoravam essa ciência
                                                             seriam convencidos por um discurso. Nesse sentido, a retórica sofística seria
                                                             a arte ou o método da ilusão, que se relacionaria à opinião e à aparência, mas
                                                             não se comprometeria com o conhecimento nem revelaria a verdade. Observe
                                                             como Sócrates, no mesmo diálogo, rebateu Górgias.

48 UNIDADE 1: O MUNDO EM EXPANSÃO
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