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↪ Cosmologias ameríndias e a com esses elementos. Ao se deparar com doenças
relação com a natureza ou outros tipos de problemas, ou quando precisam
de proteção, os Tuyuka acionam os xamãs, respon-
Segundo o antropólogo estadunidense Clifford sáveis pelas questões espirituais e de cura dentro
Geertz (1926-2006), é importante observar, conhecer e do grupo, para realizar os rituais necessários e res-
analisar as outras culturas com base na relação que os tabelecer o equilíbrio entre os seres.
indivíduos estabelecem entre si e com o meio, e não
no que “nós” entendemos ou pensamos. Essa com- Apesar da diversidade, os inúmeros povos do con-
preensão da cultura e do “outro” postulada por Geertz tinente americano mantêm uma ligação estreita e sim-
constitui um excelente ponto de partida para entender biótica com a natureza. É com base nos saberes, nas
as relações que os povos indígenas estabelecem com práticas e relações ancestrais entre os seres humanos
o mundo sobrenatural/encantado e a natureza. e o meio natural que eles pensam, interpretam e dão
significado à vida e à organização social.
De acordo com o pensamento eurocêntrico, o
desenvolvimento e o progresso fundamentam-se na ↪ Símbolos e artefatos materiais
separação entre ser humano e natureza, de modo que
a evolução das sociedades depende de seu afasta- A diversidade dos povos da América também
mento do mundo natural. A cosmologia ameríndia, por está presente nos símbolos e artefatos materiais
sua vez, como afirma o antropólogo brasileiro Eduardo produzidos por eles. Em cada parte do continente,
Viveiros de Castro (1951-), considera que o ser humano o mundo natural recebeu significados distintos, e
é parte indivisível do mundo natural e sua existência os recursos naturais tiveram apropriações diversas.
não pode ser pensada fora dessa dimensão.
Com base nessa estreita relação com o meio
A relação dos povos originários com suas divin- ambiente, cada povo desenvolveu sua cultura, seus
dades, rituais e símbolos ilustra bem essa cosmolo- instrumentos, suas moradias, seus objetos cotidia-
gia. Na tradição dos quíchuas (incas), por exemplo, nos e seus modos de vida.
elementos da natureza como o Sol, a terra, os raios
e a Lua eram adorados e venerados pela população As manifestações estéticas e simbólicas desses
por meio de rituais de proteção e agradecimento. povos nos ajudam a compreender melhor a organi-
Uma de suas divindades mais cultuadas era o inka zação de sua vida social e sua visão de mundo. Na
Qhapaq, ou imperador inca, visto como o “Deus Sol”. região que hoje pertence ao Brasil, o grafismo foi um
importante elemento na caracterização dos membros
das sociedades e na comunicação, além de constituir
um recurso para diferenciar as etnias que ocupavam
o território. Essas representações incluíam as pinturas
corporais e as cestarias de muitos desses povos.
2018 ROBERTO EPIFANIO/SHUTTERSTOCK
WERNER FORMAN ARCHIVE/BODLEIAN LIBRARY, OXFORD
↑ O festival Inti Raymi (em quíchua, “Festa do Sol”), realizado em ↑ Os mixtecas eram um dos vários povos que habitavam a região
Cusco, no Peru, marca o início do solstício de inverno no hemisfério sul. da Mesoamérica. Na imagem, detalhes do Codex Laud, manuscrito
O evento atrai milhares de pessoas de todo o mundo e diversos grupos pictórico mixteca representando as quatro etapas da vida de uma
indígenas da região. Na foto, encenação do festival na Plaza de Armas, mulher, datado do início do século XVI.
em junho de 2018.
Grafismo: forma de representação gráfica.
Na fronteira do Brasil com a Colômbia, vivem
hoje os Tuyuka, autodenominados “filhos da cobra
de pedra”. Para eles, todos os elementos da natu-
reza têm forças e energias vitais, que se protegem
e se defendem mutuamente, cabendo aos seres hu-
manos o papel de buscar o equilíbrio e a harmonia
72 UNIDADE 2: O MUNDO EM MOVIMENTO