Page 349 - PNLD 2026 - FILOSOFIA
P. 349

© HAMILTON, RICHARD © R. HAMILTON/AUTVIS, BRASIL, 2020 - KUNSTHALLE, TUBINGEN                                     ↻	Não há mais espaço para a subversão da arte?

                                                                               ↑ O que exatamente torna os                                                   O fim dos propósitos da arte moderna é denun-
                                                                               lares de hoje tão diferentes, tão                                       ciado pela existência da arte pós-moderna. Ela não
                                                                               atraentes? (1956), de Richard                                           tem em vista uma cultura ou uma manifestação ele-
                                                                               Hamilton, considerado o primeiro                                        vada nem um conhecimento acadêmico ou uma inter-
                                                                               quadro pop. A obra é composta                                           pretação profunda. Busca a apresentação da realidade
                                                                               de figuras retiradas de revistas                                        como esta aparece, o jogo com o público e com a
                                                                               estadunidenses, evidenciando a                                          própria arte, a ironia, o humor, a paródia, o pasti-
                                                                               relação entre arte e cotidiano.                                         che. Ela não quer a contemplação das pessoas, mas
                                                                                                                                                       sua participação. Não vislumbra uma utopia ou uma
                                                                                    PARA ASSISTIR                                                      transformação mais geral da sociedade, mas pretende
                                                                                   O sorriso de Monalisa                                               que o espectador se envolva de modo pontual e ativo.
                                                                                   Direção: Mike Newell
                                                                                   Ano: 2003                                                                 A arte pós-moderna relaciona-se com as novas
                                                                                   País: EUA                                                           tecnologias e está profundamente inserida na so-
                                                                                   Duração: 117 min                                                    ciedade de consumo. Suas obras são compostas da
                                                                                   Na década de 1950, uma                                              mescla de linguagens e materiais, a fusão de meios
                                                                                   professora de Artes em                                              expressa o caos e a fragmentação da sociedade.
                                                                                   Massachusetts, Estados
                                                                                   Unidos, rompe com os padrões                                              Com o fim das vanguardas artísticas e a banali-
                                                                                   estéticos clássicos de suas                                         zação comercial das obras de arte, o que resta para a
                                                                                   alunas e com as práticas                                            arte? A arte só será uma manifestação de perpetua-
                                                                                   pedagógicas obsoletas da                                            ção do sistema e de sua lógica racionalista e consu-
                                                                                   escola, o que acaba também                                          mista? Não há mais possibilidade de a arte ser sub-
                                                                                   estimulando as estudantes                                           versão e buscar uma utopia, isto é, a transformação
                                                                                   a questionar os valores                                             da realidade e da ordem social?
                                                                                   conservadores da sociedade.
                                                                                                                  		↪ A utopia é imanente à arte

                                                                                                                        A reflexão sobre a falência das vanguardas artísticas e seu ideal eman-
                                                                                                                  cipatório, bem como o entendimento da arte pós-moderna como denúncia e,
                                                                                                                  ao mesmo tempo, expressão desse fracasso, são o primeiro passo para uma
                                                                                                                  reformulação ou redefinição da arte, tanto do ponto de vista de sua identidade
                                                                                                                  quanto de seus objetivos no âmbito da sociedade.

                                                                                                                        Há ainda um aspecto imanente à arte, que foi lembrado pelo filósofo Herbert
                                                                                                                  Marcuse (1898-1979), no qual se pode encontrar chão firme para se dar passos não
                                                                                                                  no sentido de resgatar os restos mortais da arte de vanguarda ou de sentir uma nos-
                                                                                                                  talgia de seu programa, mas de construir novos significados e formas próprias da arte
                                                                                                                  futura. Para esse filósofo alemão, toda arte verdadeira tem um potencial político que
                                                                                                                  protesta contra as relações sociais vigentes, porque as transcende, porque busca uma
                                                                                                                  utopia, algo que não está lá, rompendo com a consciência dominante. Nesse sentido,
                                                                                                                  a arte visa desmistificar a realidade, olhando para o horizonte da transformação.

                                                                                                                             “Enquanto a arte preservar, com a promessa de felicidade, a memória dos objetos inatin-
                                                                                                                      gidos, pode entrar, como uma ideia ‘reguladora’, na luta desesperada pela transformação do
                                                                                                                      mundo. Contra todo o fetichismo das forças produtivas, contra a escravização contínua dos
                                                                                                                      indivíduos pelas condições objetivas (que continuam a ser as do domínio), a arte apresenta o
                                                                                                                      objetivo derradeiro de todas as revoluções: a liberdade e a felicidade do indivíduo.

                                                                                                                             [...] A arte abre uma dimensão inacessível a outra experiência, uma dimensão em que os seres
                                                                                                                      humanos, a natureza e as coisas deixam de se submeter à lei do princípio da realidade, hoje domi-
                                                                                                                      nante. Sujeitos e objetos encontram a aparência dessa autonomia que lhes é negada na sua sociedade.
                                                                                                                      O encontro com a verdade da arte acontece na linguagem e imagens distanciadoras, que tornam
                                                                                                                      perceptível, visível e audível o que já não é ou ainda não é percebido, dito e ouvido na vida diária.”

                                                                                                                                                                    MARCUSE, Herbert. A dimensão estética. Lisboa: Edições 70, 2018. p. 64 e 66.

                                                                                                                        Assim, o potencial contestatório da arte não está apenas nas vanguardas ar-
                                                                                                                  tísticas. O que morreu com elas foi um tipo artístico de contestação. Mas a arte
                                                                                                                  permanece com sua índole subversiva e utópica; isso pode ser observado inclusive
                                                                                                                  nas manifestações contraditórias da arte contemporânea. Nela, não há apenas adap-
                                                                                                                  tação ao mercado e reprodução de seu ideário; há também crítica, como na obra de
                                                                                                                  Hélio Oiticica que abriu este capítulo. Nesse aspecto, estaríamos em um momento
                                                                                                                  transitório no qual o utópico prepara-se para assumir outra vestimenta artística.

                                                                                                                  CAPÍTULO 28: A ARTE E A UTOPIA DA EMANCIPAÇÃO HUMANA 347
   344   345   346   347   348   349   350   351   352   353   354